quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

JERSON TOLEDO

JERSON TOLEDO
(Escrito, muito bem, por Miriam Helena Toledo,
Minha queridíssima irmã)

Jerson Toledo nasceu em Congonhal, em 12 de janeiro de 1900, e morreu em Pouso Alegre, em 28 de abril de 1990, acompanhando, portanto, o século por 90 anos. Passou a primeira infância em Congonhal, junto de seus pais Custódio Toledo, mestre-escola, que lhe ensinou as primeiras letras, e Elisa Toledo.
Com a morte de seu pai, a família, passando dificuldades, transferiu-se para Pouso Alegre sob a proteção do tio materno, Evaristo Valdetaro e Silva, conhecido como coronel Evaristo, dono de uma farmácia bem equipada segundo os padrões da época e muito freqüentada pelos políticos, médicos e farmacêuticos da região. Foi ali que o então menino, ainda de pés descalços, aprendeu, com a experiência, os princípios teóricos e práticos de sua futura ' profissão: a de farmacêutico.
Tinha profundo respeito pela figura do tio, substituto do seu pai, e de seus amigos mais velhos que conversavam diariamente na farmácia sobre remédios, política e livros. Destes amigos, o que mais o impressionou foi o Dr. Cícero, médico dedicado que ajudava a manipular os remédios para seus clientes.
Assim cresceu e tornou-se rapaz, autodidata, apreciando poetas e escritores, principalmente os franceses Victor Hugo e Chateaubriand e brasileiros como José de Alencar, Machado de Assis. Atendia com gentileza os que procuravam ali os remédios para curar suas mazelas, mas também não recusava um dedinho de prosa.
Já adulto, voltou para Congonhal como sócio de seu irmão mais velho, Tuany Toledo, em uma farmácia. Foi então que ficou enamorado de uma professorinha, Silvia Mafalda Bocato, que viera dar aulas nas Escolas Reunidas de Congonhal vila ainda pertencente ao município de Pouso Alegre. Casaram-se em 1927 e de sua união nasceram cinco filhos: Francisco de Assis Toledo, Marina Toledo de Paula, Ferdinando Toledo, Paulo Gerson Toledo e Miriam Helena Toledo.
Por muitos anos seu Jerson continuou exercendo a função de farmacêutico, até que, surgindo uma oportunidade, resolveu comprar o cartório de Congonhal. Foi quando enfrentou a sua mais longa viagem, a de Belo Horizonte, onde fez o concurso para poder assumir sua nova função de escrivão.
Para o cartório levou o mesmo espírito de solidariedade e cortesia que sempre tivera na famácia. Atendia igualmente ricos e pobres, estes últimos, a maioria, -"quebrando todos os galhos', indo a cavalo ou charrete a fazendas, por estradas íngremes, muitas yezes barrentas e escorregadias, a fim de fazer uma escritura ou mesmo um casamento. Nunca perdeu o hábito de recomendar uma determinada ação profilática ou um remédio, quando ouvia uma queixa ou observa¬va algum ferimento nas pessoas que com ele se relacionavam.
Naque!a vidinha pacífica de Congonhal, seu Jerson, com a habilidade que tinha ao manipularar remédios em laboratório artesanal, dedicou-se então ao cuidado das orquídeas, ao minucioso e lento preparo dos anzóis e iscas para a sua pescaria, o lazer predileto.
Com a aposentadoria de dona Silvia como diretora do único grupo escolar que então havia na agora cidade de Coiigonhal, seu Jerson resolveu também se aposentar e mudar-se para Pouso Alegre, onde moravam seus irmãos, pois seus filhos, todos adultos, estavam distantes, em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.Em Pouso Alegre, na rua Francisco Sales, 195, o casal passou a velhice, cultivando parentes e amizades e sentindo-se realizado com o êxito dos filhos.
Exemplo de honestidade e simplicidade. Lembrança de velhos tempos um sorriso, um cumprimento um dedo de prosa... um adeus.

sábado, 19 de dezembro de 2009

MARAFO

MARAFO

Paulo Toledo


Quartel do Exército de Pouso Alegre, por volta do ano da graça de 1972. Nos dias normais de expediente, quase todos os oficiais tomavam o café da manhã no refeitório próprio. Essa refeição matinal precedia a uma formatura geral e diária da tropa, na qual o comandante da época sempre se fazia presente. Naquela manhã a rotina foi quebrada pela entrada em cena do Oficial-de-Dia, que se apresentando para o comandante, disse:
__Serviço com alteração.
__Tudo bem, o que houve? Respondeu o comandante.
Aí todos nós ouvimos o seguinte relato
__Senhor comandante, o Sargento Lemos, de serviço como meu adjunto, na madrugada passada, foi encontrado pela ronda, nos fundos do quartel, completamente embriagado. Ele estava tão bêbado que eu tive que dispensa-lo da função.
Tudo mal, tenente. E daí, prossiga, disse o comandante.
Aí, eu dei o maior” esporro” no sargento, pelo absurdo da sua conduta e ele ainda segurando uma garrafa de cachaça Amélia, quase vazia, pelo gargalo ainda teve a petulância de afirmar, em posição de sentido, que nada tinha feito de errado. Ele me disse que não tinha bebido nada, apenas estava invocando um caboclo, para espantar o azar. Daí baixou nele o caboclo bebedor que enxugou toda a garrafa de cachaça. Nesta hora, meu comandante, o sargento já tinha relaxado a posição de sentido e com aquele soluço de bêbado ainda disse: “isto aqui...hic, pro caboclo foi pouco, hic...isto aqui, pro caboclo, hic.. nem é cachaça: é MARAFO.”
Diante da cena inusitada, a risada geral da oficialidade, foi interrompida pela fala do comandante:
__Subcomandante coloque o Sargento Lemos, mesmo que embriagado, em frente a tropa formada, tenho que aplicar-lhe uma punição exemplar. Desta ele não vai esquecer.
Até hoje, quando reúnem-se alguns ex-milicos aqui em Pouso Alegre, sempre aparece alguém que se lembra da fala do comandante. Ela se tornou famosa. Existe até um ex soldado, o baianinho, que a imita com perfeição. Ei-la:
__Atenção Grupo! Eis aqui o Sargento Lemos. Vejam só! Ele estava de serviço, era o adjunto do oficial-de-dia e na madrugada de ontem, como o serviço estava muito monótono, resolveu espantar o azar, lá no fundo do quartel, fazendo um despacho. Pelo sim e pelo não, como ele não sabia quem poderia incorporar nele, por garantia, levou uma garrafa de Amélia. Mas, às vezes as coisas não saem como a gente espera. Então, num lugar de respeito como deve ser um quartel do Exército, em vez de baixar um caboclo comportado, despencou do além, pra fazer o sargento de cavalo, o caboclo bebedor, pinguço de uma figa. Aí uma garrafa de Amélia não deu nem pro começo. Acontece, meus comandados, que também aqui e agora, baixou no comandante outro caboclo: o caboclo RDE (Regulamento Disciplinar do Exercito). Assim, vou punir com quinze dias de cadeia o caboclo mau elemento que bebeu a cachaça do Sargento Lemos e com mais quinze o próprio sargento. Porém como ninguém tem como botar a mão no caboclo pinguço, a guarda, leva o sargento pra cumprir a pena dos dois.
Assim, ficava definitivamente decretado que no quartel de Pouso Alegre, Amélia, poderia ser “a mulher de verdade” jamais MARAFO.

REFREGA

REFREGA

Paulo Toledo


No Fórum e na Delegacia de Polícia, frente ao Delegado, Juiz ou Promotor, acabam por acontecer coisas mais imprevisíveis, às vezes até engraçadas.
Contava eu para um grande amigo, parente e advogado competentíssimo, o que tinha acontecido na inquirição de uma putinha, na Delegacia de Ouro Fino, única sobrevivente de um pavoroso acidente de carro. E, ele deu o troco.
Contei-lhe que o acidente aconteceu no trevo de Inconfidentes onde tem uma curva que os caminhoneiros batizaram de “Jesus está chamando”, porque ela é pavorosa e fora dela tem um buracão, um verdadeiro socavão.
Dizia eu, que a vítima tinha sido um batateiro, que depois de vender muito bem sua colheita, encheu os bolsos de grana, a cuca de pinga, o carro de putas e “foi pra gandaia”.
Então o delegado, que era amigo do batateiro, querendo deixar registradas as últimas palavras de seu pranteado amigo, pois elas poderiam melhorar sua biografia, dar prova de seu arrependimento ou até servir de caminho para sua salvação. Perguntou para a testemunha:
__Quais foram as últimas palavras do Tião Batateiro, quando o carro desabou no precipício?
__Palavra, nada seu delegado, disse ela, foi grito, ele deu um berro: SEGUUUURA PUTADA!!!!!
Meu amigo não só gostou do “causo”, como retrucou com uma estória lá do Fórum de Caratinga, sua terra natal.
Lá, segundo ele, a pergunta foi do Juiz, para um caboclo que estava presente em um entrevero na zona, do qual saiu vitimada uma prostituta, com um tiro abaixo da linha da cintura.
Como a briga tinha durado quase a noite inteira, o Juiz queria ter a certeza se o ferimento da vítima foi dessa ou de outra confusão, tão comum nesse ambiente. Então, perguntou:
A testemunha pode afirmar se o tiro foi antes ou depois da refrega?
__Olha seu doutor, eu acho que bateu uns três dedos pra riba da refrega.
Esta foi a resposta da testemunha, mais que ocular.

(pano rápido)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

JANELA

JANELA

Paulo Toledo


Uma janela muito famosa é a do Príncipe dos Poetas Olavo Bilac, que cantou:
“Ora (direis) ouvir estrelas”! Certo
Perdeste o senso. E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto.
E abro a janela, pálido de espanto.”...
Outra janela também muito poética é a do fadista português, que da janela, todos os dias, via passar a Rosinha dos limões: catita, com o seu vestido de chita, faceira e namoradeira. No fado ele diz que ficou tão fascinado que: “qualquer dia por graça, ia comprar limões à praça, para depois casar com ela.”
Na nossa música popular, tem uma letra do Tom Cleber para música de forró, na qual Gilberto Gil faz o maior sucesso cantando e esperando na janela, ai, ai. E, tem aquela coitada da Carolina do Chico Buarque, pobre e alienada, que ficou na janela e não viu a vida passar.
Lá na minha terra, São José do Congonhal, a janela que ficou famosa foi a de uma donzela que, como as outras, seu pai também era uma fera. Então não podendo namorar de dia, à noite amarrava um barbante comprido no dedão do pé e o jogava pela janela do quarto, Em plena madrugada, seu amado puxava aquele barbante maravilhoso e então era acolhido, no aposento proibido e na quenturinha dos cobertores.
Afinal, por falar em janela, as que não podem ser esquecidas são as de Caratinga. Lá elas eram três, onde se debruçavam dia e noite, três velhinhas, cada uma na sua respectiva janela, elas ficavam em uma casa assobradada no centro da cidade, onde bisbilhotando todos os passantes, as “meninas” dominavam e espalhavam todas as fofocas locais. E foi daí, que as vítimas das fofocas mais pesadas se vingaram, batizando as três anciãs: Peidolina, Merdolina e Mijardélia. Respeitosa e definitivamente.

sábado, 5 de dezembro de 2009

VISITA INESPERADA

VISITA INESPERADA

Paulo Toledo

O Prefeito tinha sido eleito pela segunda vez. Ainda de ressaca dos festejos da sua posse, lá estava ele no seu gabinete de trabalho, com a enorme paciência que Deus lhe deu e com a pose que o seu prestígio e o seu cargo permitiam. Do lado de fora, uma enorme fila de pessoas para seu atendimento, a maioria, com certeza, de eleitores que lhe deram o novo mandato e que por isso mereciam toda a deferência e gratidão.
Apesar da agenda cheia, com todos os horários possíveis já programados, a secretária anunciou que estava batendo à porta do gabinete, um parente que desejava cumprimentá-lo e que não constava na tal agenda.
Então, entrou o primo Aluízio, esparramou-se no sofá do gabinete, tomou o cafezinho de praxe, ascendeu um cigarrinho mata-rato e disparou falar da parentalha de Maria da Cruz , que havia mudado pro norte do Paraná:
__Fulano ta vagabundando, cicrano ta vivendo à custa da mulher, tinha um enfiado na jogatina e outro, se não me engano, que era corno.
Daí, o primo Prefeito que tinha imaginado que estava recebendo uma breve visita, para encurtar o papo, disse:
Primo mudando de sexo, me dá notícia daquela menina que trabalhou comigo aqui na prefeitura, no outro meu mandato.
__Olha primo, aquela danada ta cada vez mais bonita. Mas tem uma coisa, “ela ta dano”.
O que é isso! Como é que a mãe dela permite uma coisa dessas?
__Primo, a mãe dela também “ta dano”.
__Na é possível! Que decepção! A nossa família sempre foi muito católica e respeitadora dos bons princípios morais, como é que você me da uma notícia tão decepcionante dessa?
__Primo, a irmã mais nova dessa bonitinha dá também.
Aí, para encerrar a conversa e a visita inesperada o Prefeito se levantou e pediu para o primo alguma boa notícia, algo positivo.
Aluízio continuou escarrapachado no sofá, soltou uma infindável baforada do seu cigarrinho e desabafou:
__Olha primo, antes de mudar de prosa, pra encurtar esse assunto passado, eu tenho que lhe dizer que a mulherzada da nossa família que foi pro Paraná “ta tudo dano”.

O BEM E O MAL

O BEM E O MAL

Paulo Toledo

Diálogo entre Fausto e Mefistófeles:
__Quem é você?
__Eu sou aquele que nega.
Antes e depois desta conversa complicada entre um ser vivente e o demônio, a história da humanidade é plena da luta entre Deus e o Diabo, o bem e o mal, a bondade e a malvadeza.
Quando comecei a gostar de cinema, antes do tradicional THE END dos filmes americanos, o representante do lado errado da época, isto é: do mal, sempre saia perdendo e o galã, mesmo que fosse o maior canastrão da paróquia, sempre vencia. Isso mesmo “o crime não compensa”, era sempre a moral da história e o final mais do que previsível.
Hoje, no entanto, com o poder que adquiriu a bandidagem real e a da política dominante, o coitadinho e pobrezinho do bem está escondido e humilhado e o mal está prevalecendo. Então, se for também correto dizer: “no final a verdade sempre aparece”, teríamos que aceitar que no final vai dar o Capeta. Cruz credo!!!
Então eu me lembro de um causo lá da minha terra, que contava a estória de dois compadres que estavam atravessando por uma pinguela. Essa danada ligava uma fenda na montanha e por baixo dela tinha um baita buracão, um imenso socavão, habitado por feras bravias e répteis peçonhentos. Foi daí que no meio da travessia o tronco da pinguela, meio velho e podre, deu um estalo e começou a ceder como se fosse quebrar.
Apavorado, o compadre da frente, esparramou um nome do padre pela cara e pelos peitos, beijou as pontas dos dedos e gritou:
__Valei-me Nosso Senhor Jesus Cristo!
Veio então o milagre, a pinguela se firmou. Porem o compadre, fazendo uma figa, terminou o benzimento falando baixinho:
__O Diabo também não é muito ruim.
Depois, do lado de lá da pinguela, no chão firme, o outro compadre falou:
__Ta bem que você tenha apelado pra Nosso Senhor, mas não carecia ter puxado o saco do Capeta.
Aí então veio a resposta mais antiga do mundo:
__Para de ser bobo compadre, agradeci a Deus e ele colocou fortidão no pau da pinguela. Mas você queria que o Capeta empurrasse e “pinchasse nóis lá pra baixo naquele buracão”.

CHAPEU PRETO

CHAPEU PRETO

Paulo Toledo


Chico Mariano era criador de porcos em Congonhal nos tempos do meu pai moço. Como eu já estou velho, não preciso escrever nestes garranchos, que isto faz muito tempo. Mas, põõõõeee tempo nisso.
Chico Mariano trazia a sua porcada para Pouso Alegre, tocando-a “ de a pé” pela estrada velha do Morro do Canta Galo, chegava pelas bandas do Ribeirão das Mortes e atravessava a cidade para embarcar a bicharada no vagão de carga da” Maria fumaça” da R M V.
R M V era a famosa Rede Mineira de Viação, sigla que também era traduzida por: Ruim Mais Vai, não sem propósito ou razão.
A porcada do Seu Chico sempre se destinava à cidade de Cruzeiro, em São Paulo, onde era o ponto final da ferrovia e existia um grande abatedouro para, mais do que a carne, industrializar a banha de porco, coisa indispensável na cozinha daquela época.
Uma vez embarcada a “porcaria” no vagão de carga, seu Chico também embarcou no vagão de passageiros e logo foi puxando conversa com o seu companheiro de banco.
Conversa vai, conversa vem, Seu Chico se deu conta que tinha dado uma puta sorte, pois seu companheiro de viagem e de banco, além de ser de Cruzeiro, ainda era comprador de porcos.
A coisa então ficou muito fácil, juntou a fome com a vontade de comer e Seu Chico não carecia seguir viagem.
Acertaram-se: o homem desembarcava os porcos em Cruzeiro, pesava os bichos, via quantas arrobas tinha dado, qual era o valor que estavam pagando pela arroba naquele dia, fazia as contas e mandava a grana pro Seu Chico, pelo Banco da Lavoura, Agência de Pouso Alegre.
De volta à Congonhal, nosso herói contava o acontecido para seus amigos, quando o mais chato e curioso deles perguntou:
__Como é o nome desse comprador de porcos?
Na maior calma, Seu Chico respondeu:
__Pois eu não sei, eu só sei que ele tinha um chapéu preto.
Passados uns dez dias Seu Chico recebeu uma cartinha do Banco da Lavoura: o dinheiro da porcada estava lá, à sua disposição.
BONS TEMPOS !!!!........