domingo, 20 de janeiro de 2013

MARATONA DE POUSO ALEGRE

MARATONA DE POUSO ALEGRE Paulo Toledo Outro dia eu falei do Barbudo, hoje eu vou falar do Mirabeau. Mirabeau Ludovico era o motorista do bispo de Pouso Alegre, zelador e mordomo do palácio episcopal, figura muito popular na cidade. Com ele não tinha brincadeira, pois era uma pessoa que também ficou famosa pela seriedade dos seus atos e a maneira com que cuidava dos jardins do palácio, todo cercado por uma frondosa e bela cerca - viva de fícus benjamin. Pouso Alegre realizava anualmente uma maratona, acho que no aniversário da cidade, que dava a partida do antigo Parque Infantil, passava pela rua do palácio do bispo, descia até a avenida, daí seguia pelo aterrado até o Costinha. Depois, dando a volta pela Fernão Dias, retornava pela outra entrada da cidade, atingia a avenida e pela mesma rua da partida chegava ao parque para o seu final. Como o vencedor recebia um prêmio em dinheiro da prefeitura e várias prendas do comércio local, aquela versão da prova estava muito concorrida, com mais de cem competidores, todos dispostos a enfrentar o duro desafio com muito ânimo e garra. Entre eles e um dos mais dispostos e falantes estava o Alan, um moleque magrelo e alto, que nas corridas anteriores tinha ficado pelo meio do caminho. Dado o tiro da partida o pelotão saiu e sumiu no percurso e só era aguardado de volta depois de algumas horas. E, essa volta, para quem estava no ponto de chegada, trouxe uma grande surpresa, porque quando apareceram os primeiros competidores, despontava na liderança aquele moleque magrelo e alto de quem já falei e que chegou exausto, esbaforido e que caiu desmaiado, após cortar a fita de chegada. Em seguida, foram chegando os outros corredores até que a comissão organizadora se deu conta que poderia iniciar os preparativos da premiação, pois quem não tinha chegado até então tinha ficado pelo caminho do penoso percurso. Nessa altura dos acontecimentos, entre aplausos das autoridades e do público em geral, o primeiro colocado já recuperado do seu esforço hercúleo, se dirigia para o topo do pódio. E, pasmem! Isso teria acontecido não fosse a chegada surpreendente do Mirabeau, que apontando para o suposto vencedor disse: “esse rapaz passou o tempo todo da corrida enfiado dentro da cerca – viva do palácio, eu não falei nada porque pensei que estava fiscalizando a prova

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

PATRIOTISMO

PATRIOTISMO Paulo Toledo “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. Li esta frase de Samuel Johnson há um bom tempo e fiquei revoltado, pois a considerei um xingamento para mim que era um patriota por formação e nos meus muitos defeitos, eu não encontrava a canalhice. Agora, como dizem os budistas que a única coisa permanente é a impermanência das coisas, penso diferente com relação ao patriotismo. E, como estou absolutamente convencido que continuo não sendo um canalha, não preciso me refugiar em nenhum lugar, muito menos no meu quase extinto patriotismo. O patriotismo é um sentimento que pouco a pouco foi se gastando em mim e acho que em boa parte da população, porque vemos as barbaridades, o predomínio da corrupção e a roubalheira que se instalou na cúpula que comanda e domina o poder neste pobre país. Assim, se fosse possível, de bom grado, eu abriria mão da minha nacionalidade, para voltar à minha vibração patriótica em um país imaginário, onde essa gentalha safada e ordinária não fosse aceita e fosse punida exemplarmente. Nova Zelândia, Dinamarca e Finlândia, são considerados os paises mais honestos do mundo. Então, os cidadãos de qualquer desses países devem se sentir orgulhosamente patriotas. Ao contrário do nosso caso no Brasil, onde parece que a frase de Samuel Johnson faz cada vez mais sentido.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

ACONTECEU NA PÇ SENADOR JOSÉ BENTO Paulo Toledo O Barbudo, figura popular da cidade, antigo funcionário da prefeitura cuidava da Praça Senador José Bento, nos mínimos detalhes: desde o funcionamento da fonte luminosa, a conservação da jardinagem até a vigilância. Assim, quem quisesse encontrá-lo era só dar uma chegada à praça e lá podia até fotografar aquele tipo baixinho, “parrudo” e com um chapéu atolado na cabeça. A praça tinha de tudo: footing, roda de papo de aposentados, engraxates, pipoqueiros, fotógrafos lambe-lambe, pregadores evangélicos e santa padroeira. Mas, faltava um mastro bem alto para a bandeira nacional nas datas festivas. Então, como era o período chamado de ditadura militar, logo essa deficiência foi sanada. A primeira data nacional após a colocação do mastro da bandeira da Praça Senador José Bento, foi logo o sete de setembro a mais importante de todas. A cerimônia do dia da independência começava com tropa perfilada junto ao mastro, banda de música e todas autoridades civis, militares e eclesiásticas prontas para cantar o Hino Nacional e hastear a bandeira. Assim que foi dada a partida para o ato, a banda deu os primeiros acordes do Hino Nacional, a tropa apresentou armas e o prefeito se dirigiu ao mastro para executar o hasteamento. Porém, às vezes as coisas não saem como o programado. Então a bandeira foi entregue ao prefeito, mas, estava faltando aquela indispensável cordinha que dá volta a roldana existente no topo do mastro. Como o Hino Nacional não pode ser interrompido, então o Barbudo, ao som do nosso hino, tirou o sapato, colocou na boca uma ponta da cordinha e subiu como um macaco pelo mastro, para colocar a cordinha no devido lugar. Em outras palavras: O barbudo hasteou-se solenemente inaugurando o mastro da praça. (Cena digna de Federico Fellini)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O CRISTO

O CRISTO Paulo Toledo Vocês vão achar que eu endoidei de vez. Mas, como eu não tenho nenhum compromisso com estes garranchos e isso é muito bom, lá vai: Congonhal e o Rio de Janeiro têm duas coisas semelhantes. Guardadas a descomunais proporções. É claro! A primeira semelhança é que o Rio era uma cidade maravilhosa e pacífica no passado e hoje é uma verdadeira praça de guerra. Já Congonhal que hoje é um lugar calmo e pacífico, na minha infância a coisa era feia. Todo mundo andava armado de faca, punhal, garrucha, revólver, espingarda e de vez em quando usava. Pra encurtar. Teve uma época que a cadeia de Pouso Alegre só tinha matador de Congonhal. A segunda é o Cristo. O do Rio é uma das maravilhas do mundo e está situado de braços abertos, numa paisagem deslumbrante. Alem disso é cheio de história desde sua inauguração, a ponto de ter proporcionado para Marconi a proeza de ter usado ondas de rádio para ilumina-lo a distancia. Já o Cristinho de Congonhal, coitado, foi colocado crucificado no antigo Largo da Igreja, um lugar esburacado de terra vermelha. Hoje está numa pracinha ajeitada. O cristo de Congonhal foi comprado em Campinas por uns fazendeiros que se cotizaram liderados pelo meu tio Tuany, farmacêutico do lugar e já político. Eles viajaram para Campinas e quando chegaram na fabrica ficou a dúvida. Tinha Cristo pra todo gosto: Menino Jesus, Cristo das parábolas, Cristo expulsando vendilhões, Cristo da Santa Ceia e o Crucificado. Então, perguntavam: qual o Cristo que vamos levar? Foi daí que um dos membros da comitiva deu a solução: __Olha Tuany, vamos levar um Cristo morto, porque se ele lá chegar vivo eles matam. Esta estória me foi contada pelo Dr. Joaquim Nelson. O Quim da Corina dos meus tempos de menino. Põõõõõe tempo nisso.

TERRA NOSTRA

‘TERRA NOSTRA’ Paulo Toledo Lá também nos tivemos uma espécie de “cosa nostra”. Se não era igual, pelo menos, era parecida. Então, eu vou batizar essa coisa de Terra Nostra. Eu sou de lá, não posso negar a raça. Muito diferente de seu irmão, José era covarde e medroso. Ele era o que se chamava no lugar de um “cagão”. Joaquim nem parecia seu irmão, pois era um ganjento brigão e valentão. Vejam só como são as coisas, foi logo o irmão fraco, lerdo e molengo que foi arrumar uma briga feia. Nessa encrenca, como não poderia ser diferente, o Zé levou uma puta surra, um monte de desaforos e ainda a promessa de que a coisa podia não ficar por aí. Na próxima vez estavam prometidos tapas pela volta da orelha e uns ponta pés na bunda. José Então pediu a ajuda do irmão, dizendo que tinha vontade de matar o seu agressor, mas não tinha coragem, pois achava que podia apanhar de novo. O irmão que adorava um entrevero deu logo a solução: __Eu vou lá e mato aquele filho da puta pra você. Mas como eu não tenho nada com isso, é você quem vai responder o processo e cumprir a pena, se for condenado, basta dizer que foi você que fez o serviço. O “pobrema” é seu. Dito e feito. Joaquim atocaiou e descarregou uma espingarda calibre doze no peito e na cabeça do agressor do irmão. Ele só deu um gemido e partiu pra outra. Então, conforme o combinado, José assumiu a culpa e foi condenado. Isto parece ficção, mas não é. Aconteceu realmente em Congonhal. Pior ainda, todo mundo sabia e calava. Só se comentava ao pé do ouvido, de medo do Joaquim. Era a lei do lugar. Agora, tem uma coisa, às vezes, o mal feito é pago por aqui mesmo. Quando a gente pensa num casal, queremos dizer que normalmente são dois seres que vivem em harmonia, doação mútua, atração e até amor. Porém parece que isto só é verdade no reino animal, nos pássaros, por exemplo. Entre os seres humanos pode acontecer de outro jeito. Um homem e uma mulher podem viver juntos quarenta anos e um odiar o outro, durante todo esse tempo e só revelar isto no último suspiro do companheiro de infortúnio. Pois foi isto que aconteceu com Joaquim. Joaquim era amasiado com Delvina, mulher muito gaiata, extrovertida e extravagante. Ninguém sabia a relação que os dois mantinham entre as quatro paredes e levou o maior susto quando ouviu-a dizer, se despedindo dele moribundo: __Agora que você está indo pro inferno e eu vou ficar livre de você. Vou cobrar pela última vez o mal que você me fez. Vou cobrar muito caro por ter suportado a sua presença a vida inteira.. Então, eu quero que o capeta mais fedorento lá do inferno enfie você no lugar mais quente que tenha por lá. Quando você me pegou, eu era uma menina e sei que pra você foi muito bom. Você gozou. Mais fica agora sabendo agora, que isto eu consegui com um mundo de gente e nunca com você. Quem estava presente depois comentou que o valentão morreu chorando. Se o Joaquim foi pro lugar que a Delvina o despachou ninguém tem condições de dizer com segurança. Mas acho que quando eles se encontrarem no dia do Juízo Final o pau vai comer.

MON ONCLE

MON ONCLE’ Paulo Toledo Jaques Tati, o grande cineasta francês, fez um filme maravilhoso que se tornou um clássico do cinema. Nesse filme ele mostra um tio com todas as suas peripécias e sua graça em um mundo lúdico, onde a perfeição não evita o inusitado, na relação de um tio, meio desastrado, com um querido sobrinho. Para mim, esse “mon oncle” é o meu tio Custodinho, irmão mais novo do meu pai. Sua figura está guardada, com muito carinho, no fundão da minha memória. Agora, fazendo algum esforço, de lá saem algumas cenas de sua vida como se fossem no cinema. É claro que todas não cabem num “causo”. Com certeza existirão outros. Com o tio Custodinho não havia meio termo, ou ele era dono da linha de jardineira, o ônibus daquela época, que ligava Congonhal a Pouso Alegre, ou era o banqueiro do jogo do bicho, com o nome do bicho escrito dentro de um envelope pendurado no poste, para ser aberto, na hora marcada, depois de recolhidas as apostas. Dizem que às vezes, de madrugada, ele trocava o bicho que estava carregado de apostas. Assim, ou estava bem de vida, gastando à vontade com os apetrechos de caça e pesca, suas diversões preferidas, ou estava quebrado vendendo esses apetrechos. Uma das cenas que vem a mente. Eu o vejo desfilando pela rua de Congonhal vendendo sua espingarda de caça e então lembro-me do diálogo de meu pai com a minha mãe: __Olha Sílvia, o Custodinho precisa de ajuda, pois está vendendo o objeto que ele mais gosta. Antes de ser o tabelião de Congonhal meu pai lá exerceu a profissão de farmacêutico, alias com muita competência, menos na hora de cobrar pelos remédios, isso ele não sabia. Então, existia na farmácia uma gaveta cheia de receitas que foram aviadas e que não foram pagas. Coisa antiga. Numa das quebradeiras do tio Custodinho, meu pai penalizado, mostrou-lhe a gaveta e disse: __ Custodinho, pega essa papelada e vê se consegue alguma coisa. Você tenta. Meu tio topou. Pegou a papelada e sumiu por um bom tempo. Quando voltou estava guiando um carro Ford 29, exibindo uma espingarda de caça novinha e ainda comprou a padaria do lugar. De Congonhal , meu tio mudou-se para Brazópolis, onde de padeiro ele se transformou em farmacêutico. Nesse meio tempo ainda teve uma passagem por São Lourenço, onde foi banqueiro do jogo do bicho, Mas eu vou pular esse pedaço. Para terminar este causo, só vou contar a sua participação no romance do Amadeu com a Lola. Como dono de padaria, meu tio não tinha a menor idéia de como aquilo funcionava. Quem tocava a coisa era seu empregado Amadeu, verdadeiro pé de boi no serviço. Então quando se mudou para Brazópolis, só conseguiu levar o Amadeu com a promessa de que ele seria liberado tão logo a situação se estabilizasse. Porem Amadeu era apaixonado pela Lola uma loirinha de Congonhal bem bonitinha. Acontece que chegando em Brazópolis a paixão bateu pesada e o Amadeu queria voltar no dia seguinte.Tio Custodinho pediu-lhe calma e convidou o meu irmão mais velho Francisco, que ainda era menino, para passar uma temporada em Brazópolis. Quando Francisco chegou de jardineira o tio o estava esperando no ponto, abraçou-o deu as boas vindas e disse: Olha Chico, você é o meu sobrinho predileto, veio aqui para pescar e caçar comigo, nós vamos divertir à beça. Mas se o Amadeu perguntar pela Lola, você diz que ela arranjou outro namorado. Esta estória me foi contada cinqüenta anos depois pelo meu irmão. Ele ainda concluiu: Até hoje eu morro de remorço.

APELIDOS

APELIDOS Paulo Toledo Zé Fogueteiro, Zé Xarope, Carica, Geraldo Pipote, Tião Tungue, Dito Fraqueza, Naco, Joaquim Martelo, Chico Cartucho, Bandola, Neném Bolacha, Tião Bolinho, Tião da Nica, Tatuzinho e os Pulentas... Em Congonhal todo mundo tinha apelido e quanto mais a gente se incomodasse com o tal, era suficiente para que ele grudasse e permanecesse como um rótulo pregado na testa. Agora, colocando no alto desta página alguns apelidos dos quais eu me lembrei, vejo que cada um deles dá um “causo”, uma estória, algumas delas verídicas, outras nem tanto. Assim, o Zé Xarope não era um xarope no sentido que a palavra hoje é aplicada – um chato. O Zé virou Zé Xarope porque, quando menino, trabalhando na farmácia do meu tio Tuany bebia todos os xaropes que encontrava na prateleira, então foi dispensado. Alguns desses “causos, como por exemplo o do Naco, são feios e impublicáveis, outros nem tanto Zé Carica eu não sei a razão do seu apelido. Mas para mim ele ficou como exemplo de como se resolver um problema muito difícil, vejam só: Tinha aparecido uma onça pintada nas cercanias de Congonhal. Toda semana aparecia bicho morto e dilacerado: bezerro, vaca, cabra etc ...Alguns achavam que era onça de duas pernas, mas o veredicto final foi : é onça e vamos acabar com ela. Então reuniram-se os valentões do lugar, armados até aos dentes, Zé Carica presente então asseverou: __Deixa essa bendita onça comigo. EU SÓZINHO COM MAIS DEZ COMPANHEIROS, vou lá e trago o couro dela. “Nesta longa estrada da vida” sempre que me aparece alguma coisa complicada a solução do Carica me vem à mente. E os pulentas ou polentas ou ainda polentinhas? Donos daqueles apelidos do final da lista? Esses não cabem num “causo”.Cada um deles dá um livro bem grosso e de capa dura..

AS ZELITE

A ZELITE Paulo Toledo Quem não assumiu o sapo barbudo como seu grande líder, grande mestre e verdadeiro guia, virou “zelite”, como ele chama. Daí, com eu não consegui ainda digerir a ideologia dessa figura, incorporo esse rótulo, fico pertencente a essa coisa, que não sei bem o que vem a ser. Agora, repetindo o som da palavra e colocando nela um penduricalho, a coisa vira: “zelite políticas” e vai pro brejo. É isto mesmo. Esta é a praga e a maldição, que numa velocidade alucinante, vem desgraçando o país, enquanto a gente assiste, totalmente impotente, essa pouca vergonha. Mas, eu não sei por que eu estou tratando disto. Acho que eu endoidei, todo mundo sabe que isto não tem conserto. O que eu quero mesmo é contar a estória do pescador preguiçoso, que é lá das barrancas do velho Rio São Francisco. Então, vamos a ela: Um pescador estava sentado na beira do barranco com a vara de pescar dentro d’agua. Esse sujeito era conhecido no pedaço pela sua proverbial preguiça. Estava lá meio sonâmbulo, olhando para o tempo e pensando que a vida poderia ser bem melhor se não existisse o trabalho. De repente, a ponta da sua vara começou a entrar pra dentro d’agua e seu companheiro alertou: __Olha cara, tem peixe puxando! __Pega ele pra mim. Respondeu o preguiçoso. Depois o companheiro ainda atendeu aos pedidos de colocar o peixe no samburá, iscar novamente o anzol e retornar a vara pra dentro do rio. Então, de saco cheio, perguntou: __Por que você não arranja um menino pra te ajudar na pescaria? O meu filho adora pescar comigo. __Eu sou solteiro, como é que eu vou arranjar filho. Ao ouvir esta resposta o outro disse que se o preguiçoso o quisesse, ele poderia tentar arranjar um casamento pra ele. A resposta do preguiçoso veio lenta e incrível: __Topo. Se você me arranjar uma mulher bem trabalhadeira, eu caso com ela. Agora, pra arranjar esse menino, é melhor que ela já venha prenha. Assim diminui o meu serviço.

A CABRITA

A CABRITA Paulo Toledo No velho a memória recua no tempo. Então, “como a ave que volta ao ninho antigo”, eu vou lá pro Congonhal da minha infância. Lá em vez do “gênio carinhoso e amigo” do poeta, eu vejo entrando pela porta do lar paterno, soldados da polícia, armados, escoltando assassinos. Pois lá também funcionava o cartório do meu pai. Em Congonhal, nem delegado de polícia havia. Quem policiava o distrito era um destacamento da polícia de Pouso Alegre, composto por um cabo e um soldado, recrutados pelos critérios da valentia e da “brabeza”. O representante do delegado era um, subdelegado escolhido entre os moradores voluntários. O cartório da vila era único. Meu pai era então: tabelião, oficial do registro civil e o escrivão daquelas bandas de Congonhal e adjacências. Essa condição também o obrigava ser o escrivão do crime e, por falta de gente especializada, conduzir os inquéritos policiais, argüindo as testemunhas e os criminosos. Para isso só contava com a sua boa cultura e a leitura dos livros do Conan Doyle. Ele era o Sherlock Holmes do Congonhal. Era claro, lógico e inevitável que houvesse os comentários do Seu Jerson com a minha mãe, sobre os detalhes dos crimes. Quanto a nós os filhos, lógico que a curiosidade nos levava a ficar xeretando. Tenho na memória alguns desses crimes. Em um deles a vítima foi o pai do Renato, meu colega de escola. Da nossa casa nos ouvimos os sete tiros, à queima roupa, que matou o Seu Rafael pelo próprio soldado do destacamento. O crime foi brutal e o assassino ,segundo meu pai, ainda disse: __Olha aqui o presente que eu trouxe “procê” pra aprender respeitar a mulher dos outros. Em outro crime quem morreu baleado, em frente a minha casa, foi o Mendonça dentista. Ele era um conquistador barato das caboclinhas do lugar. Foi morto por um tal Tião Caluta que, merecendo o nome, vingou a virgindade da filha que foi abusada na própria cadeira do dentista. Finalmente, o outro foi o de um marido que matou a mulher e a jogou pela porta a fora da casa. O meu pai contava que o matador no depoimento negava e jurava que não era a sua mulher que tinha matado. Dizia ele que o que ele tinha matado uma cabrita. E que tinha matado o bicho pra proteger as crianças, pois elas estavam sujas, doentes e famintas e a “desgranhenta” da cabrita berrava e lambia as coitadinhas. Nesse o meu pai deu uma de Sherlock. Foi mais fundo. Na investigação Seu Jerson ficou sabendo que a mulher do assassino era meio louca e que alem de não cuidar da casa e das crianças ainda fazia as coisas mais extravagantes. Daí concluiu que na hora, desesperado com alguma barbaridade que viu, em vez da mulher, o que viu de fato foi uma cabrita. Não sei qual foi a sentença do Juiz após o júri. .Mas do trabalho de Sherlock meu pai muito se orgulhava.

TIO OSÓRIO

TIO OSÓRIO Paulo Toledo Que não tem uma mão é maneta, não tem perna é perneta, não tem olho é zarolho ou caolho e por aí vai... Agora, quem não tem uma orelha eu não sei como se chama. E, o tio Osório do meu pai, ele dizia que não tinha uma orelha. Se a esquerda ou direita, isso ele não se lembrava mais. Eu não conheci esse tal tio do meu pai. Mas ficou para mim a imagem de uma pessoa, que apesar de normal, como todo mundo, não dava sorte com as que hoje chamamos política corretamente, de afro-descendentes. De certa feita. Levou uma tremenda surra de um desses, só porque o chamou de “negro fedido”. Meu pai aproveitava essa lição do seu “desorelhado” tio para me ensinar: __Meu filho, aprenda isto: a verdade dói muito. O meu tio Osório foi chamado de tudo que é nome, até de filho-da-puta, por um preto, coisa que ele não era. No entanto, a única verdade que ele disse: “negro fedido”, para uma pessoa que era catinga pura, quase acabou com a sua raça. Em certa ocasião, para provocar meu pai, por causa dessa falta de orelha do tio dele, eu o transformei na personagem daquela velha piada do circo do Congonhal. O circo tinha anunciado um espetáculo fantástico: “O Homem Que Come Homem”. Estava literalmente lotado quando veio alguém no centro do picadeiro e anunciou: __Atenção distinto público! Não vai haver mais a nossa principal atração! Vai ser impossível! O Homem que come está aqui presente, mas o homem que ia ser comido não veio. Tio Osório, que na ocasião tinha as duas orelhas, protestou: __Eu paguei e quero ver. Não aceito desculpa. Daí lhe disseram: Vai lá e substitui o fujão. Tio Osório pulou no picadeiro e um baita negão, o comedor de homem, o agarrou e gritou para a platéia: __Eu começo a comer pela orelha. Toma aqui esta dentada. Meu pai não gostou da brincadeira: __Mas que falta de respeito.

SÃO PAULO

SÃO PAULO Paulo Toledo Cheguei a São Paulo pela primeira vez com 17 anos. Puxa vida! Já faz mais de meio século! Barbaridade! Mais de 60 anos! Então menino, morava em um antigo hospital, que tinha sido desapropriado da colônia alemã paulista, por causa da segunda guerra mundial e transformado em uma escola de cadetes do Exército. Cursando essa escola, aprendi um pouco de matemática e quase nada da vida. Apertando e espremendo a memória, de dentro da Escola Preparatória de Cadetes de São Paulo, a velha EPSP, só restam poucas lembranças de alguns colegas e imagens tênues das aulas magistrais do mestre Quintanilha, que além de ensinar português, transmitia à meninada o gosto pelas artes em geral: literatura, teatro, cinema etc... Fora da escola, ficou a recordação dos encontros, de final de semana, com os meus irmãos que moravam em uma pensãozinha burguesa. São Paulo hoje está tão distante, como quando eu era menino e ouvia as conversas das pessoas da minha terrinha, que tiveram a coragem incrível de viajar até lá. É isso mesmo, quem chegava de São Paulo em Congonhal ficava famoso, virava herói. Então, reunia a família, os vizinhos e todo mundo para contar sua grande aventura. Daí saiam coisas incríveis. Dessas estórias contadas para definir São Paulo ficou uma do Dito Carbone. Dito Carbone era cunhado do meu tio Tuany e figura meio folclórica do Congonhal. De repente virou farmacêutico e chegou a ser vereador, representante do lugar, na câmara de Pouso Alegre. Pois bem, Carbone contava pra todo mundo que São Paulo tinha de tudo e que tudo lá virava dinheiro. Para ilustrar a sua tese, citava como exemplo um corredor, existente entre prédios altíssimos, que ligava a Praça da Sé a uma outra praça e só dava mão nesse sentido. Pois nesse corredor a malandragem colocava um tambor que tinha um furinho na parte de cima. Do lado da Sé a turma anunciava uma grande surpresa e cobrava a entrada no corredor. Formada a fila, entrava um de cada vez. Chegando ao tambor ele era convidado a enfiar o dedo no tal buraquinho. Retirado o dedo, o malandro pedia que o curioso cheirasse o dedo: __É merda!!! __É merda mesmo. Manda outro. Outra estória, mais recente, mais nem tanto, é a do Tião Borracheiro. Tião trabalhava em uma empresa de ônibus consertando pneus furados. Trabalho braçal, muito bruto, na marreta mesmo. Operário muito dedicado e querido do patrão foi levado a conhecer São Paulo.. Como chegaram muito cedo a capital, o primeiro ponto a ser visitado foi o CEASA. No CEASA, Tião se deparou com um galpão imenso abarrotado de repolho até o teto e não se conteve: __ Seu Zé, lá na roça do meu pai, nós plantamos uns 200 pés de repolho e não havia na nossa família, na vizinhança, e no bairro, quem desse fim na lavoura. Apodreceu repolho, fermentou tudo e foi uma fedentina filha da puta. Baixou até urubu. Naquela tal CEASA, vai acontecer um desastre, com aquela quantia de repolho. Vai dar até no rádio e na televisão. Mais tarde, o Seu Zé mostrou outros pontos da cidade e, antes de voltar, deu uma passadinha pelo Viaduto do Chá. Então perguntou: __O Tião, o que você achou de São Paulo? __Vai faltar repolho, Seu Zé. Resposta inesquecível.

O APARTE

O APARTE Paulo Toledo Comecei a escrever, várias vezes, sobre os vereadores da minha cidade. Mas o assunto não deslanchava porque as coisas que me vinham a mente, sempre eram as gaiatices, as ignorâncias, as famosas brigas e os tipos grotescos que passaram pela nossa Câmara de Vereadores. Hoje retorno, na esperança de que as coisas importantes que por lá tenham acontecido, certamente, serão contadas por quem possua “mais engenho e arte”. O que me animou tratar de baixarias, foi ter assistido na TV do Senado aquela briga de dois senadores, tudo por conta da roubalheira e da impunidade que por lá existem, a começar pelo próprio Presidente da casa. Acho então que, descontando a enorme diferença de padrão, os nossos queridos vereadores, do passado e do presente, por mais gaiatos que tenham sido, estariam perfeitamente de acordo com o que rola por lá. Assim, o próprio Zé Engrenagem poderia se ombrear com aquele senador cabeludo e picareta que mal representa o nosso Estado. No Senado, teve até um senador que chamou outro de merda. Será que, a exemplo do Chico Buarque, que mandou jogar bosta na Geni, ele estaria querendo dizer que é isto que os eleitores estão mandando para a chamada Câmara Alta? Lá no planalto, o senador que falou merda, poderia até ter sentado na Presidência da República, pois ele presidiu o Senado e o que levou o nome de merda já foi até Governador. E aqui na planície, para que na nossa Câmara conseguisse baixaria semelhante, algum vereador teria que baixar as calças e mostrar a bunda pro adversário. Coisa totalmente impossível, pois a nossa edilidade, pelo menos, sempre foi composta de homens de vergonha na cara e de valentia comprovada; como demonstra o exemplo que se segue: Teve uma época que o abastecimento d’água de Pouso Alegre era feito pela Prefeitura e o Vereador Walter Noronha, que hoje dá o nome de um bairro da cidade, assim discursava na tribuna: __A falta d’água na cidade é uma vergonha, tem bairro que a mulherada não tem água nem pra cozinhar e pra fazer uma mamadeira pras criancinhas. Agora, a vergonha maior é que tem um colega nosso, que eu não vou dizer o nome, que puxou um cano grosso d’água da Prefeitura pra dar água pros boi dele. Vocês sabem a quantia de água que um boi bebe? E uma boiada, então? Pior do que isso, é que eu acho que até o leite que ele vende pro povo tem mistura de água da Prefeitura. Nessa altura de sua fala, Walter Noronha foi interrompido por seu colega de vereança, Argentino de Paula e, então, travou-se o seguinte debate: __O nobre colega me permite um aparte. Serei breve e sutil. __Pois não, excelência, o seu aparte, por certo, vai valorizar a minha fala. __Pois vossa excelência fique sabendo que é o maior filho da puta que eu conheço e é agora, que vou lhe fincar a minha faca, nessa sua pança fofa. Argentino de Paula arrancou uma baita faca da cintura e partiu pra cima do Walter Noronha, que só não teve os bofes posto pra fora, porque os outros vereadores agarraram o Seu Argentino. Walter Noronha caiu fora, não levou a prometida facada. Mas a cidade ficou sabendo quem estava contribuindo para secar as suas torneiras.

VELHO CÂNDIDO DA SUMAUMA

VELHO CÂNDIDO DA SUMAUMA Paulo Toledo Os meus parentes do Rio de Janeiro têm uma fazenda aqui em Minas no município de Caratinga, a qual foi batizada por eles de Sumaúma. Em um passado distante, fiz uma visita a essa fazenda, mas dela tenho apenas uma lembrança muito apagada. Mas, apesar disso, restam presentes na memória algumas estórias pitorescas contadas pelo fazendeiro Dr. Elíseo, meu concunhado, grande contador de “causos” e que, ao longo da vida, tornou-se um dos meus melhores amigos. Ele ainda tem o maior carinho por aquele pedaço de chão. Minha relação com esse fazendeiro de Caratinga, que sempre foi fraterna e repleta de bons momentos, somente foi abalada quando sofreu um veemente protesto de minha parte, pois ele, inadvertidamente, pagou uma dívida que tinha para com a nossa sogra, dívida esta que aquela prezada senhora já considerava perdida, conseqüentemente, estava disposta dar a devida compensação a sua outra filha, minha esposa,.Nessa ocasião, eu me considerei um genro prejudicado, pois até já tinha gasto alguma coisa por conta. Hoje ele diz que, naquele protesto, eu cheguei a lhe dizer que ele estava tirando o pão da boca dos meus filhos. Puro exagero! Pois bem. Voltando aos “causos” pitorescos da Sumaúma, contados pelo seu fazendeiro, sempre me vem à memória o seu personagem principal, ou seja, o velho Cândido: notório caboclo, honesto, dedicado, espirituoso. Mais do que isso, amigo do seu patrão, que o recebeu de herança juntamente com a fazenda. Porem, melhor que o enredo, essas estórias valem muito pelos comentários finais do velho Cândido. Um desses famosos comentários, que eu não esqueço, aconteceu quando lhe mandei um pedaço de fumo de Poço Fundo para os seus cigarrinhos de palha, fumo famoso aqui no sul de Minas e reconhecido como de primeiríssima qualidade. Pois, segundo o Dr Eliseo, Cândido levou um bom tempo picando e enrolando o primeiro cigarro com o tal fumo, depois o ascendeu, deu uma longa pitada, soltou a fumaça no ar, deu um intervalo de suspense e soltou a fala: __Fortidão ótima. Isto para mim ficou tão marcado, que até hoje, quando provo qualquer coisa e quero soltar um elogio, as primeiras palavras que me vêm à mente são as do velho Cândido da Sumaúma. Outro comentário sensacional do velho Cândido, foi proferido quando da primeira viagem à lua feita pelos astronautas americanos. Essa viagem lhe foi contada pelo patrão nos mínimos detalhes; do foguete aos satélites, com o nome e sobrenome dos tripulantes e tudo mais, que a brilhante oratória do narrador pode revelar. Então Seu Cândido ia arregalando os olhos à medida que ouvia cada palavra. Daí o Dr Elíseo se calou e o velho Cândido da Sumaúma largou esta pérola: __ Dr Elíseo, esse povo dono desse foguetão, é a favor ou contra o nosso Estado de Minas Gerais?

O DISCURSO

O DISCURSO Paulo Toledo Ele é um dos Inácios, família de gente muito direita e de grande porte. Os filhos da Sa Dina: Dito Inácio e Joaquim Inácio eram pessoas muito queridas e populares no lugar. Dito era sapateiro e professor dessa matéria e Joaquim chegou a ser prefeito, depois que Congonhal se emancipou, virou cidade, mesmo continuando a ser um lugarzinho pequeno e atrasado, onde meu pai era um faz-tudo no cartório e minha mãe a diretora das Escolas Reunidas. Nessa escola que aprendi a ler e a escrever mais ou menos. Pois bem. Seria natural que um dos descendentes dos Inácios, grande como eles, descente como eles, e, além disso pessoa super prestativa, se transformasse também em prefeito da cidade: isto mesmo, eu estou me referindo ao Fifico. Esse tal Fifico aparece aqui nesta estória por ter proporcionado uma cena digna de José Cândido de Carvalho ou Dias Gomes, lá na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Isso aconteceu, numa daquelas sessões mornas em que se discute, como sempre e com muito afinco a importância do nada , ou porra nenhuma mesmo. Então, o deputado que presidia os chamados impropriamente de trabalhos se deu conta que o prefeito de Congonhal estava presente, assistindo das galerias aquele modorrento debate de chongas multiplicado por zero. Querendo então faturar uns votinhos congonhalenses, soltou o verbo: __Meus senhores, minhas senhoras e distintos colegas. Neste momento, a presidência da mesa, está notando no recinto e injustamente nas nossas galerias, alguém que muito honra e enobrece a nossa Assembléia. Pois, nobres colegas, lá está o o prefeito da progressista cidade de São José do Congonhal, para quem eu peço, além da merecida salva de palmas, que nos honre na tribuna com a sua presença e sua brilhante oratória. Daí, Fifico hasteou-se nas galerias, com os seus respeitáveis dois metros e dois centímetros de altura e se encaminhou para a tribuna. Lá chegando nada falou. Apenas contemplava os presentes com um grande sorriso estampado na sua cara grande e de grande congonhalense (nos dois sentidos). __Diga algo, por favor, senhor prefeito. Insistiu o presidente. Então, Fifico levantou seu braços enormes e soltou a voz; __Viva Nossa Senhora Aparecida !!!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O LEÃO

O LEÃO Paulo Toledo Pescar lambaris no Rio Cervo, ou Rio Mamdu; jogar futebol na rua, ouvir a PRK 30 no rádio, caçar passarinho e ir ao circo, de vez em quando. Eis as diversões da meninada de Congonhal e de Pouso Alegre da minha saudosa infância. O circo era uma festa, um acontecimento fantástico e deslumbrante. Depois de sua passagem por estas bandas, a garotada se transformava em trapezistas, palhaços, mágicos e domadores. Alguns sonhavam com a possibilidade de acompanhar o circo e a sua troupe, outros, depois de adultos, até realizaram esse sonho. Em Pouso Alegre, em certa ocasião, apareceu um circo que fez o maior sucesso, o Circo Universo. Vou falar dele de novo e daquela que para mim foi uma deusa, a Amelinha no trapézio e na corda bamba. Amelinha era sensacional, pois exibia suas belas pernas numa cidade em que o bispo não permitia que as moças isso fizessem. Na época do Circo Universo eu estudava interno no Colégio São José e estava, absolutamente, convicto que Amelinha era a mulher mais maravilhosa do mundo. Depois de muito tempo, já como adulto, descobri que ela também foi a musa de todos os meus contemporâneos do colégio. O circo de Congonhal era diferente. O lugar era muito pequeno e então para lá só compareciam os circos mambembes, os mais derrubados, de lonas esfarrapadas e furadas. Os artistas eram sempre uns pobres coitados, pés de chinelo, fracassados e canastrões. Domador e fera só apareceu uma vez no circo do Zé Briguelo. Mas, o leão estava tão velho, que foi abandonado no largo da igreja, amarrado a um poste, quando o circo foi embora. O coitado desse leão que era magrelo, meio desdentado e tinha até a juba um pouco esbranquiçada, acabou sendo alvo da compaixão da população que, praticamente o domou e o transformou em um enorme gatão manso e meio vira-latas. Ele ainda viveu solto pelas ruas, graças aos restos de comida que recebia. Quando, finalmente, esse leão morreu, não deixou saudades no povo de lá, pois dizem que ele era um muito mal agradecido e que todas as tardes ia para a parte mais alta do largo da igreja e urrava: ÕÕÕÕÕ....LUUUGAR!!!!!.

COISA DE MINEIRO

COISA DE MINEIRO Paulo Toledo As duas meninas, criadas no Rio de Janeiro, se casaram com dois mineiros, quase que autênticos. As duas são tão parecidas na maneira de ser, que torna nula a diferença física de uma ser loira e a outra morena. Já os dois maridos são bem diferentes em quase tudo, menos na maneira mineira de ser. Mas, o que é muito importante é que os casais são tão amigos que em mais de cinqüenta anos de convivência nunca tiveram o menor atrito. Um casal mora no Rio de Janeiro e possui terras, fazendas e heranças, no município de Caratinga. O outro casal mora em Pouso Alegre, tem patrimônio modesto, porém suficiente para as suas necessidades. As duas meninas dos tempos idos, hoje se falam e trocam novidades por telefone, praticamente todos os dias, coisa que não acontece com os seus maridos, que com as suas mineiridades são avessos à papo furado de telefone. Porém, o mineiro de Caratinga tem guardado algumas coisas muito interessantes do povo da sua terra. Então, nos raros encontros que tem com este seu concunhado, bota pra fora. Eu já escrevi alguns desses “causos”. Mas, este tenho certeza que é inédito: Na sede da fazenda de Caratinga, a noite já tinha chegado, o casal, terminado o jantar, estava se preparando para se recolher aos seus aposentos de dormir ( na roça se dorme cedo). A cozinheira acabara de limpar tudo e só o fogão de lenha continuava crepitando seu braseiro. Mas, eis que alguém entra pelo curral da casa grande e bate palmas à porta. Dr. Elíseo o dono da casa vai atender o visitante inesperado que pede um pouso na fazenda, coisa muito comum nas Minas Gerais. O visitante foi prontamente atendido, convidado a entrar na cozinha, onde a cozinheira, por ordem do patrão, aqueceu uma bacia dágua, para o forasteiro lavar os pés antes de dormir. Coisa de mineiros. O visitante sentado num banco da cozinha e tendo a bacia de água quente à sua frente, tirou o sapatão, esfregou os pés um no outro e, então, perguntou: _ Ainda que mal pergunte, será que lavar os pés nágua quente, assim com a barriga vazia, não faz mal pra saúde?

NARIZ

NARIZ,. NARIZ E NARIZ Paulo Toledo Acho que todos nós, quando estávamos começando, no curso primário ou secundário sofremos algum tipo de brincadeira de mau gosto, que nos irritava profundamente, aumentava a nossa timidez e que no meu tempo de estudante não tinha o hoje pomposo nome de bulling. Bastava que a turma descobrisse um ponto fraco na vítima, que daí pra frente, em todas as oportunidades, os mais fortes deitavam e rolavam em cima do pobre coitado. E, como é óbvio, o fracote nunca reagia ou como se dizia, chamava pro pau ou para a briga. Lembro-me que para esconder as coisas que pudessem me colocar na berlinda da turma, eu era extremamente tímido e procurava sempre permanecer na penumbra, falando pouco ou quase nada, a ponto de gelar, na sala de aula, quando tinha que responder uma pergunta do professor. E, se ele me chamasse para o quadro-negro para resolver um problema, aí mesmo é que não saia nada. Hoje, eu tenho alguma dificuldade para avaliar como foi que me livrei daquela timidez quase patológica, que me acompanhou por um bom tempo. Penso que isso aconteceu no momento em que eu resolvi reconhecer e assumir o meu perfil físico. Pois seria impossível tornar-me um belo e garboso rapaz e muito difícil livrar-me da fama de ter um nariz digno do Cyrano de Bergerac. No entanto, eu poderia equilibrar isto adquirindo algumas qualidades, ou seguindo o conselho de um velho mestre e procurar uma bela mulher para nivelar as coisas. Isso eu consegui. Então, teve um momento que eu mesmo acompanhava as gozações sobre o meu narigão, declamando Bocage: “Nariz, nariz, e nariz, Nariz , que nunca se acaba; Nariz que se ele desaba, Fará o mundo infeliz Nariz que Newton não quis Descrever-lhe a diagonal; Nariz de massa infernal, Que se o cálculo não me erra, Posto entre o sol e a terra, Faria o eclipse total! Acho que foi a partir daí que comecei o tratamento contra a timidez. E, escrevendo isto agora me veio à lembrança um colega meu do internato do Colégio São José, que tinha uma perna mais fina e curta do que a outra e cujo apelido era “manco” (só podia ser). Mas, com ele ninguém “tirava brincadeirinhas”, porque ele era muito forte e brigão. Porem, um dia, ele foi chamado na aula de literatura portuguesa para declamar o poema de Guerra Junqueiro: “O Melro”. Quando ele se levantou para se dirigir à frente da sala, a turma soltou em voz baixa o tal apelido: manco, manco, manco...Aí então ele cometeu um terrível ato falho: encarou a turma e disse; “O Manco, Melro é a puta que pariiu Guerra Junqueiro”.

FÉ Paulo Toledo Dizem que tudo que se escreve é mais ou menos autobiográfico. Por isso, fui recuperar algumas coisas escritas no passado, para ver se lá eu estava. Perdi a viagem, só achei pedaços e fragmentos do que eu possa ter sido. Mas, notei que nos meus guardados falta um assunto, o tema que é o mais importante desta nossa travessia pela vida. Então, se o que eu escrevi for tomado por uma espécie de diário, algum desavisado vai dizer: “esse caboclo é ateu”. Acontece que sempre existiu uma razão, um motivo, para que eu não tivesse a coragem de escrever algo sobre religião, pois esse assunto para mim estava e ainda está reservado para gente sábia e iluminada. Coisa muito distante do que eu me considero. Em outras palavras, esse assunto não é pro meu bico. Agora, quando eu falo em gente sábia e iluminada, não estou me referindo somente às pessoas eruditas. O exemplo disso é o que João Guimarães Rosa põe na boca do Riobaldo, no Grande Sertão e Veredas, que me encanta pela simplicidade, beleza e sabedoria: “O que mais penso, texto e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é o que sara da loucura. Isso é que é a salvação-da- alma...Muita Religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio...” Lá em Congonhal, também tinha um homem muito bondoso e simples, o Pedro Belizário, que quando rezava o terço na igreja, fazia com a maior fé do mundo, contemplando os mistérios do terço de forma muito original. Assim, para começar a reza ele dizia: “No primeiro mistério ‘comtempremo’ São José sentado num Toco”. Acho que esse terço era o mais considerado pela Sagrada Família. Eu dele sempre me lembro quando entro em qualquer igreja. A grande verdade metafísica da existência de Deus, para mim passou a ser coisa definitiva e fora de discussão, quando o meu saudoso irmão Chico Toledo, abordando o tema me disse que foi o próprio criador do universo que colocou no ser humano a prova da sua existência. Porque ela está presente desde a cultura mais adiantada, mais elevada, até a tribo mais primitiva, onde vamos encontrar o bom selvagem, ajoelhado adorando o sol, a lua ou algo considerado sagrado, porque foi o criador de tudo. Assim, deixo aqui registrado que a minha crença vai navegando desde as palavras do Riobaldo, passa pela fé do povo da minha terra e se sustenta na grande lógica do meu irmão Chico Toledo.

CARO MESTRE

CARO MESTRE Paulo Toledo Estou procurando organizar na memória alguns professores que deixaram marcas indeléveis na minha vida. Desde a Dona Sílvia que era professora e minha mãe me alfabetizando a reguadas, até aqueles que para mim foram verdadeiros guias e gurus. Dos quais seus alunos procuravam mais que aprender os ensinamentos, também os imitavam, transformando-os em modelos. Para variar, existiram alguns tipos exóticos e pedantes, dos quais não esqueço. No colégio São José de Pouso Alegre desponta, entre outros bons professores, o mestre Mário Castelo, que além de ensinar ciências ainda era um bom poeta, acho que por essa sua característica humanista, ele sempre começava suas aulas contando uma pequena história familiar na qual sua esposa Dona Alzira era a principal protagonista. Isto motivava e prendia a atenção da molecada. Até hoje não esqueço como ele começava as suas aula: “certa vez, lá em Mococa, eu e a minha Alzira”...Então contava algum fato que não tinha nada a ver com a matéria que vinha depois. Mário Castelo foi um grande mestre e o interesse e o pouco que penso que sei das ciências físicas e naturais, devo a ele. Depois, em São Paulo veio o professor Quintanilha. Sem medo de errar, este foi o melhor de todos. Quintanilha, na Escola Preparatória era professor de literatura, mas ele transformava a sala de aula em um palco de verdadeiro espetáculo, de onde saia filosofia, música, poesia, pintura, teatro e até balé. Deste grande mestre eu herdei o gosto pelas artes de um modo geral e um grande interesse pelos acontecimentos da Semana de Arte Moderna de 1922. Hoje, graças a ele sei que fora o amor que trazemos no peito, as artes são as únicas coisas que iluminam nossas vidas. Agora vou falar de dois professores da AMAN. O primeiro é o Pinduca, que era professor de física e tratava a bordoadas a sua matéria. Como ele tinha sido professor de educação física, dizia-se na Academia Militar, que o Pinduca perdeu a educação e ficou com a física. O outro era um danado de professor de cálculo, que sempre começava a sua aula com uma pergunta: “Eu já contei pra vocês a história do sujeito que escapou de ser filho da puta?” Pois é, fui seu aluno dois anos seguidos. Ele lecionou cálculo diferencial, cálculo integral e geometria analítica. Dessas altas matemáticas eu não sei absolutamente nada e até desconfio que alguém saiba. Mas, o pior é que eu não vou poder contar como foi que aquele sujeito escapou da sua sina, porque ele também não contou.

PLEONASMO

PLEONASMO Paulo Toledo A nossa cidade sempre teve alguma gente importante na política do Estado e do País. E, não foi só na política, também nas letras, nos esportes e nas artes de uma maneira geral. Agora o que nunca faltou no nosso meio, no passado e no presente, foram os críticos e os fofoqueiros. Gente que sempre procurava alguma maledicência não só contra seus adversários, mas também contra alguém que se destacasse em qualquer ramo de atividade. Daí, então surgiam piadas e anedotas colocando o pobre coitado na berlinda. Estou me lembrando de uma figura de pousoalegrense que foi fazendeiro criador de gado e dono da boate Novo Mundo, na Rua David Campista. Ele nunca perdeu uma eleição para vereador, talvez por isso sempre proporcionasse um punhado de histórias engraçadas, nas quais seus adversários e gozadores sempre colocavam em evidência o seu lado meio matuto. Diziam as más línguas que ele, em certa ocasião, tinha amanhecido com um olho inchado. Então, colocou um tapa-olho e foi para a avenida. Deu sorte, logo encontrou o Prefeito, que era médico e famoso e que de cara fez o diagnóstico: _O senhor está com conjuntivite. Depois, seguindo sua caminhada, encontrou um compadre que querendo saber a razão do tal tapa-olho, teve a seguinte resposta: _Eu to com conjuntivite nos zóio. Daí o compadre corrigiu: _ Não fala assim, compadre, isso é pleonasmo. Nosso herói guardou bem a palavra e seguiu seu caminho. Mas, como era uma figura popular, não demorou que surgisse outro curioso que também queria saber o que ele tinha na vista. Agora, a sua resposta foi de extrema dúvida: _ O Dr Miranda disse que é conjuntivite e o meu compadre falou que é pleonasmo. Como eu vou saber?

domingo, 6 de janeiro de 2013

TIO FANOR

TIO FANOR A faca fazia parte da vestimenta do povo do Congonhal. Lá o caboclo vestia: calça, camisa, chapéu, sapatão e faca. Alguns congonhalenses até andavam descalços, mas sem a lapiana nem pensar, jamais.. Quando um dos meus tios, que era muito querido por todos nós, mudou-se para Pouso Alegre, continuou na nova morada, com a faquinha fazendo parte da sua indumentária. Só com um detalhe, ela que em Congonhal era mais ou menos rápida, passou a ser ligeiríssima. Saia da cintura e pulava pra barriga do antagonista num piscar de olhos. De fato, ela foi introduzida até a metade na barriga de um desaforado que o chamou de filho disto ou daquilo, num jogo de truco. Sorte é que ela era das pequenas, caso contrário seu desafeto teria ido desta para a melhor. Nessa ocasião, Tio Fanor foi levado preso, mesmo tendo um sobrinho prefeito da cidade. Lei é lei. A outra sorte do Tio Fanor era que alem do sobrinho prefeito ele tinha outro sobrinho, que além de advogado competentíssimo era uma pessoa tão bem de vida que se destacava como um dos poucos possuidores de automóvel da cidade. Ele tinha um daqueles carrinhos europeus barulhentos que eu nem desconfio de que marca era. Pois bem, esse sobrinho motorizado, ao saber que o querido irmão de sua mãe ia ver o sol nascer quadrado, ligou o seu carrinho, disparou para a cadeia e colocou em liberdade o Tio Fanor. Daí para frente, Tio Fanor passou a dizer que a maior alegria da sua vida, foi escutar, dentro da cadeia, o barulho inconfundível do motor do carro do sobrinho chegando. Só que ele contava assim: Vocês não sabem a alegria que eu senti quando ouvi o barulho daquele “peidorreirinho”.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

2013

2013 Paulo Toledo Eu não sei como os verdadeiros escritores produzem as suas obras e as suas coisas que depois nos enche de prazer quando as estamos lendo. O João Ubaldo, sensacional cronista, diz que é por obrigação e que até hoje se sente frustrado por ainda não ter recebido encomenda para escrever uma bula de remédio. Acho que isso é uma grande falha dos laboratórios farmacêuticos, uma vez que se as bulas do Ubaldo saíssem tão boas como suas crônicas, poderiam curar os doentes só com a sua leitura. Então, a caixinha do remédio só viria com ela. No meu caso, que não me considero um escritor de verdade e sim um cara meio exibido que procura encher o tempo de aposentado e de solidão, colocando no papel o que lhe vem à cabeça: “causos”, crônicas e outros bichos, o ato de escrever é uma coisa solitária, mas prazerosa. E, como hoje já é o ano de 2013 e ele está apenas começando, o que está me encafifando são as previsões, que como qualquer palpiteiro penso que devo fazer e sem o menor medo de errar, porque se isso ocorrer, como é o mais provável, estarei certamente em boas companhias, desde o quase diluviano Nostradamus até o mais ilustre economista contemporâneo. Então, lá vai: 1ª_ A Rede Globo continuará falando bem do governo. 2ª_Será feita uma Reforma Política, para dar mais poder a quem já tem. 3ª¬_Pouso Alegre vai proibir a invasão dos camelôs ao centro da cidade e reformar a Praça Senador José Bento. 4ª_O ministro Margarina, quero dizer Manteiga, errará novamente nas suas previsões de PIB. (Será o meu consolo) 5ª_A informática está no limite. Não esperem nenhuma novidade. 6ª_Teremos mais um ou dois escândalos no governo, lá em Brasília. 7ª_A bandidagem no Rio e em São Paulo continuará aumentando. 8ª_ O Cachoeira pode ser que vá para a cadeia. Mas o Maluf segue livre, leve e solto. 9ª_ A Reforma Agrária continuará lembrando João Cabral de Melo Neto: “É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que lhe cabe neste latifúndio” 10ª¬_Para mim, eu estou prevendo e pedindo uma boa doze de tolerância, para conviver pacifica e harmoniosamente com estes tempos bicudos.