sexta-feira, 27 de novembro de 2009

QUERMESSE

QUERMESSE

Paulo Toledo

Como dizia um amigo meu, eu não tenho a “mais mínima” preocupação ou o constrangimento por estar contando coisas, que já foram contadas e até escritas, com mais “engenho e arte”, por escritores de verdade e não por este pobre “escrivinhador” de causos. Pois, pratico essa atividade, com a maior cara de pau, por absoluta falta do que fazer na vida de velho aposentado, que cheguei após trombadas, trancos e empurrões.
“Além de aliás”, como também esse amigo falava, eu teria que abandonar a carreira de contador de causos, se tivesse me conformado com as coisas autênticas. Pelo contrário, com alguma coragem, quase tudo que passo pra frente, é coisa ouvida e vivida nos bate-papos e tertúlias que tive e ainda tenho, com os meus queridos parentes, diletos e discretos amigos. Mas também, de vez em quando, com gente fuxiqeira, bisbilhoteira, faladeira e mentirosa.
Em uma dessas prosas, recentemente, o assunto dominante girava em torno de como a igreja católica era radical, moralista e quase fundamentalista, como alguns muçulmanos são hoje. Não ficou de fora, aquela espécie de terrorismo que era praticado, quando se ensinava religião nos catecismos. Nessas aulas de religião a meninada era ameaçada com o fogo do inferno, principalmente, os que pecassem contra a castidade, mesmo sem saber bem o que era essa coisa.
Um desses meninos, ao ouvir da catequista que ele pecava por pensamentos, palavras e obras, se desesperou. Então procurou o pai, que era fazendeiro e indagou se lá no inferno crianças bem comportadas, assim como os seus bons empregados da fazenda, não poderiam ter algum privilégio e em vez de ir pro caldeirão, arranjar algum servicinho com o capeta chefe. O coitado já se considerava um caso perdido e procurava jeito de virar aprendiz de capeta.
Mas, incrível mesmo foi o que me contaram outro dia e que parece que foi publicado num jornal da cidade. Esta estória dá a exata medida do tema que estou tratando e teve como seu principal ator, Monsenhor Otaviano, pároco da Catedral Metropolitana de Pouso Alegre e “sem duvidamente” (olha o meu amigo de novo), um santo homem. No entanto, o mais moralista dos sacerdotes da Santa Amada Igreja.
Uma quermesse funcionava, todas as noites, ao lado da catedral e, entre uns e outros caça-níqueis, existia um serviço de alto-falantes no qual namorados ofereciam músicas mutuamente. A música de maior sucesso do momento era do Lupicínio. O samba tinha uns versos assim: ” De dia, me lava a roupa...De noite, me beija a boca...etc”
O monsenhor não concordou. Achou aquilo a maior heresia e um absurdo total. Como era possível, o sacro alto-falante da catedral propagar uma barbaridade daquelas. Então arranhou, com a ponta da chave da sacristia, o disco de vinil, para que tal imoralidade não mais fosse divulgada.
Mas, Vejam o que aconteceu e que pode ter sido provocado por algum capetinha moleque, daqueles que as catequistas da catedral tanto falavam. Na quermesse, à noite, a primeira música oferecida por um namorado à sua amada, foi a do tal disco arranhado e dele o som saiu assim:
“De dia, me lava a roupa, de noite me fuc, fuc fuc.......”

DUAS ESTÓRIAS

DUAS ESTÓRIAS

Paulo Toledo


A primeira estória é de um pescador encontrado, ao acaso, numa dessas paradas de estrada, com o tráfego interrompido por obras.
Contou-me ele que dois compadres, amigos seus, que pescavam sempre juntos, certo dia se desentenderam, porque a água do rio estava muito barrenta e com água assim não pega peixe. Então um foi pescar e o outro pegou a sua espingardinha e foi ver se caçava algum bicho
O que foi pescar, por garantia, levou uma garrafa de pinga, jogou a vara n’água e ficou ali tomando uns goles esperando o peixe pegar. Foi bebendo, bebendo e como não vinha peixe, esvaziou a garrafa e caiu pra traz, dormindo como um justo.
O outro compadre, que foi caçar, conseguiu matar um tatu. E na volta, quando viu o amigo chapado, deitado e dormindo com a vara de pescar na água, tirou a vara, com cuidado, e fisgou o tatu no anzol e voltou a vara pra dentro d’água. Daí acordou o compadre:
__Acorda compadre, ta pegando alguma coisa na tua vara!
O companheiro acordou, agarrou a vara, tirou o tatu e colocou no embornal. Tudo na maior calma.
O outro estranhou:
__O que é isso compadre? Eu estava brincando, o tatu é meu.
O pescador retrucou:
__Deixa de bobeira compadre, eu to acostumado a pegar tatu neste poço. Domingo passado eu peguei uns cinco.
A outra estória é do professor Muriel. Está num livrinho que ele me deu e que sumiu na mão de um desses que não devolvem livros emprestados. Mas, como eu também a ouvi lá no Norte de Minas, acho que ela faz parte do folclore.
Ela se passa num lugarzinho de Minas Gerais e os personagens são: um velho regateiro, que casou com a menina mais bonita do lugar e o outro o João Grandão, que era o maior gozador do pedaço e que não largava do pé do velho, questionando o seu matrimônio.
Certo dia o velho entrou na venda e deu de cara com o João Grandão. A venda estava cheia de gente e a moral do velho foi colocada pra baixo da barriga das cobras, com as perguntas mais sacanas, todas a respeito da sua competência como marido, de menina nova, bonita e fogosa.
Então velho voltou para casa e passou a mão na sua foicinha e numa pedra de amolar. Quanto mais ele esfregava a primeira na segunda, mais aumentava a raiva que ele tinha do Grandão. Lá no íntimo ele repetia: “esse filho das unhas vai me pagar”.
A vila era cortada por um ribeirão que tinha uma pinguela, ponto obrigatório de passagem do João Grandão, pra sua roça de milho. Bem na ponta da pinguela tinha uma moita fechada. Pois foi lá que o velho atocaiou com a sua foice amolada, a sua raiva acumulada..
Clareou o dia e João Grandão surgiu, andando na direção da pinguela. Ele vinha fazendo o seu primeiro cigarro de palha do dia: Alisou a palha com o canivete e a colocou atrás da orelha, arrancou do bolso um naco de fumo e foi picando, picando, até chegar à pinguela. Então, quando foi colocar o primeiro pé no toco da pinguela, o velho saiu da tocaia e ZAS... Tacou-lhe a foice.
João Grandão continuou atravessando a pinguela e picando, picando fumo, Quando chegou do lado de lá do ribeirão, procurou a palha atrás da orelha...... Não achou nem a cabeça. Ela tinha ficado na outra banda do ribeirão.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O "ANÃ"

“O ANÔ

Paulo Toledo

Por lá não existia ninguém muito baixinho, a não ser as crianças, é claro. Nenhum morador do lugar tinha menos de um metro de altura. O Luiz da Nica, também chamado de Tatuzinho, era chatetinho e o menor adulto do lugar, ainda assim media um pouco mais de metro. Anão então não existia, fisicamente como morador e nem como palavra, na linguagem corrente.
No entanto, existia no imaginário dos habitantes daquelas paragens, um ser fabuloso, meio fantástico e mitológico que os antigos chamavam de “anã.” Ele existia, só porque os mais velhos falavam que um deles veio com um circo muito antigo. Essa coisa, segundo diziam, tinha cabeça, tronco e membros, como os homens e mulheres atuais. Mais eram muito baixinhos, mas muito mesmo. Falavam também que não tinham certeza se a coisa era mortal, como todo mundo é.
Então, correu a notícia que na sede do Município tinha um circo armado, onde existiam esses tais “anãs”
É claro! Em todo lugar tem gente desocupada, que procura ganhar uns trocados. Pois foi o que aconteceu. Juntaram-se dois picaretas e partiram para Pouso Alegre, conversaram com o dono do circo e acabaram conseguindo alugar um anão, para exibir em Congonhal, no próximo domingo.
Chegando o domingo, pegaram o anãozinho, embrulharam num cobertor, para que ninguém o visse e partiram pra Congonhal. Lá chegando, alugaram um quarto na pensão do Seu Avelino, trancaram o coitado do baixinho e saíram pela rua anunciando:
Venha ver o anã! É baratinho ! É só quinhentos réis.
Logo formou-se uma fila na porta da pensão. Meu irmão que estudava medicina em Belo Horizonte e estava de férias por lá, não resistiu à curiosidade. Foi para a fila, esperou um bom tempo, pagou e deu de cara com a figura. Ele até hoje conta o que viu. Lá estava, ainda meio embrulhado, não um ser mitológico; mas um pobre coitado dum anão, muito feio, banguela e que estava apertado, morrendo de vontade de descarregar a
Bexiga.
O coitadinho ainda disse:
__Eu to louco de apertado e querendo conhecer este lugar. Mas enquanto tiver gente pagando pra me ver eles não me deixam sair daqui, nem pra dar uma mijada. Se eu fosse maior, eles iam ver comigo.
Hoje eu penso que se a minha terra tivesse a ventura de possuir um cineasta genial como foi Fellini, os tipos não lhe faltariam.

" BÃOZINHO "

“BÃOZINHO”

Paulo Toledo

Sem ter sido convidado, foi chegando, ao rancho de pescaria, um rapaz e foi ficando ( no sentido exato da palavra), pescando, comendo e bebendo. No entanto, ninguém achava ruim, porque também ele era o primeiro a se encarregar daqueles servicinhos chatos: limpar peixes, lavar panelas, faxina etc...
Depois de algumas repetições dessa visita, Maurício, sócio do rancho, observou:
__Esse rapaz é “bãozinho”.
Isso foi suficiente para que ele fosse batizado. Ele era o “Bãozinho”.
Daí mais um tempo Maurício, observou de novo:
__Esse rapaz é “bãozinho”, mais beeeebe!
Então “Bãozinho” ganhou sobrenome, ficou sendo: “Bãozinho mais Beeebe”. E era :“bãozinho mais Beeebe “ pra cá, “bãozinho mais Beeebe” pra lá.
Por mais de um ano ele foi assíduo freqüentador do rancho, até que virou sorvete, derreteu ,sumiu.
Vai daqui, vai dali, estava eu, tempos depois, conversando, as amenidades de costume com meu compadre e ele me perguntou:
__ sabe quem eu encontrei ontem?
__ Eu nem desconfio.
__ Pois, eu encontrei o” Bãozinho”, numa baita pose, sentado do lado de fora, de um bar lá perto de casa. Parei o carro, sentei com ele pra saber das novidades e ele então contou:
__ O senhor não ficou sabendo? Pois eu larguei da mulher. Aquela “ biscatona “ tava dando pra todo mundo lá da minha rua. E olhe que a minha rua é louca de comprida.
__Nossa!!!
__Eu to morando com a minha mãe. A coitada ta muito velhinha, caducando e pensa que é cabrita. Berra a noite inteira e aí eu não durmo.
__Coitada!!!
__ Sabe, Seu Zé, lembra daquela menina bonita, a minha filha mais nova? Pois ela fugiu com um filho da puta de homem casado.
__Não me diga.
__Tem mais, meu filho, saiu do quartel e ta preso. Mexia com droga.
__Credo!!!
__Garçom. Traz mais uma, bem gelada. “POBREMINHA, TODO MUNDO TEM’. Não é Seu Zé.
Esse é o “Bãozinho mais Beeebe”

domingo, 15 de novembro de 2009

CORPO SECO

O CORPO-SECO
Paulo Toledo

Pequeno e magro. Euclides é caboclo inteligente e trbalhador. Conhecido pelos mais ín¬timos como 'Seu Cride. ele é o que se pode chamar de "um. pé de boi" para no serviço. Com enxada, machado e alfanje, ele é um dos pequenos que valem por dois. Porém, como nada é perfeito, seu fraco é a "marvada" pinga. Ele bebe umas, outras, todas e quando começa não sabe parar. A curva etílica do Seu Cride acompanha o mesmo rítimo do seu humor. Assim, vai da ti¬midez inicial à euforia, à liberação total do espírito de gozação, até que, finalmente, se torna um da¬queles bêbados que falam com a gente cutucando com o dedo indicador. Vira o rei dos chatos.
Em uma dessas bebedeiras ele estava contando no botequim, vê se pode, como fora contratado para levar um "corpo-seco" até Aparecida do Norte. A estória ele contava mais ou menos assim:
“Hoje filho não respeita pai e mãe e num” acontece nada.. Mas antigamente, quando um.:filho fazia “quarqué marvadeza pra mãe”, virava"corpo seco". Eu mesmo sei muito bem da existência de dois excomungado desses que viviam aqui nestas bandas. Viver não.num é bem o caso, porque essas coisas num são vivas nem mortas, estão no meio. Pois bem, um deles "morto-vivia" em . um “ espinhêro” ali perto da Vendinha e o outro em um "calipá" lá pras bandas do Ribeirão das Morte, perto da chácara do desemboque. Tem um porém; no "corpo- seco" só o que é vivo é o cabelo e as unha. Por isso. alguém tem que, de vez em quando,” apara” a cabeleira e as garra do bruto.
Quem cuidava do danado lá do Ribeirão das Mortes era o próprio pai, um fazenderão muito rico. Ele virou alma penada porque arreiou a mãe e “muntou” nela com espora e tudo. Esse tal é o do “calipá” que eu já falei.
Então, seu pai querendo ficar livre desse baita sofrimento, sabendo que era entendido no assunto, procurou o “degas” aqui pra que eu desse destino na sina “mardita” do seu filho ingrato. Aí eu disse:
__ Pra “encontra” descanso eterno, "corpo seco" só se enterra ele lá na terra santa da Aparecida do Norte. Ainda mais; tem que se “viaja” só em noite de lua”crara” e na “cacunda" de um cristão, temente a Deus.
__Você “güenta” levar pra lá um desses “desinfeliz”, Seu Cride? _
- __ Eu mesmo, assim "de apé", 'num güento", mas se me derem uma mulinha boa, nova, bonita, bem domada
e bem arriada, eu topo.” Mas tem uma coisa”: o” animar”, depois do serviço, tem que me” ficá pertencente”.
- __Pois seja esse o seu pagamento e mais uma grana que eu vou lhe dar para a cachaça e demais despesas miúdas.
. Assim ficou tratado. Na primeira noite de lua cheia, arriei a beleza da mulinha que ele me deu, passei no
"caIipá", encontrei o "mardito" e disse: "baaamo"! E ele pulou na minha "cacunda"e” nois viajemo” a noite “intera” e, quando ía “amanheceno”,” infurmamo” numa macega de mato.
“Dizer que eu não arrependi da empreitada é mentira, pois "tava" com o lombo tão gelado que não consegui “ pregá os zoio “. Mais, como “trata” não é obrigado, mas cumprir é,” continuamo” nossa jornada. eu e o meu "corpo- seco". Ele, de vez em quando.” oiava” pra mim com um “zóio” mais do que esqui¬sito, eu gelava, fingia e disfarçava. Logo que a lua saia outra” veiz” eu dizia: "baaaamo"! E ele pulava na mínha "cacunda" e lá nóis ia ... Assim” fomo”, até que eu larguei aquela coisa bem enterrado num bar¬ranco do Rio Paraiba, lá na Aparecida do Norte, pois não foi nesse bendito rio que acharam a santi¬nha?"
Terminado o causo, Seu Cride tinha bebido todas. Então eu perguntei :
__Seu Cride, e o outro corpo-seco, lá da Vendinha?
Aí, então, ele me cutucou com o dedo indicador e respondeu:
- __Ainda falta - dizer que do primeiro eu fiquei com a "cacunda" gelada por uns treis ano.
_Agora - ic! - respondendo a sua pergunta: lhe igo que o outro saiu de voIks com o tio Zelão, .numa” mitideiz “de dar inveja- Isso faz uns deiz anos e até hoje ninguém sabe o “distino” que os dois” tomaro” .. Vai - hic! -lá, passa bem tarde da noite no trevo da Vendinha.”Se tive” sorte e à lua for bem “ crara”, o” vurto” do tio Zelão, que era um” cabocro” de uns cem quilo, aparece na meio do” asfarto”. Ele tá magrelo, com uma baita “cabelêra” e com umas unha que parece as do Zé do Caixão – hic - hic!
(Seu Cride nada mais disse e nem lhe foi perguntado).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

" CALIPIS "

‘CALIPIS’

Paulo Toledo

Teve uma época que quase todas as casas da cidade tinham fogão de lenha em suas cozinhas, A lenha chegava a grossas toras e por isso precisava ser transformada em achas, ou seja, pequenos pedaços de madeira ou gravetos, para ficar mais fácil acender o fogão. Essa tarefa era do rachador de lenha.
O trabalho do rachador de lenha era muito árduo e pesado. Dependia muito da qualidade da madeira. A madeira branca e sem fibra era rachada com facilidade, porem existiam madeiras muito difíceis: fibrosas, retorcidas e revessas.
Os rachadores de lenha freqüentavam as casas da cidade e tornavam-se pessoas conhecidas, íntimas e queridas dos seus clientes.
Entre esses rachadores de lenha existia um meio amalucado que desfilava pela avenida, com um machado nos ombros, que se tornou folclórico e do qual já falei em outro causo. Ele era o Seu Antonio que tinha o apelido de Rabo Verde. Esse tipo protagonizou dezenas de “causos” na cidade, foi até modelo para fotografia artística e de um quadro famoso do museu da cidade.
Um dos clientes do Rabo Verde era o doutor Casseli, pessoa altamente considerada na alta sociedade e o mais antigo advogado militante Fórum de Pouso Alegre. Essa condição lhe dava a possibilidade de substituir o Promotor de Justiça, nas suas ausências eventuais..
Então, o Dr Casseli, como substituto do promotor, no primeiro dia que se dirigiu ao Fórum, caprichou no terno novo, na sua melhor gravata italiana e até pingou uma gota de perfume atrás da orelha. E, quando chegou ao hall de entrada do Fórum, fez o maior sucesso e foi cumprimentado efusivamente por todo mundo. Porem, no momento em que ia subindo para a sala de audiências, foi interpelado pelo Rabo Verde, também presente:
__Dr Casseli, o Senhor tem lenha pra rachar lá na sua casa?
__Perfeitamente. Tenho sim, Seu Antonio, o senhor pode comparecer lá em casa, para executar seu competente serviço, ontem mesmo recebi um carro de lenha e o senhor rachando-a, será devidamente remunerado.
Então o Promotor substituto continuou subindo a escada até ao primeiro patamar, quando foi novamente chamado:
__Doutor Casseli ?
__Pois não, Seu Antônio.
__Tem calipis ?
__Sim seu Antonio, são umas toras novinhas de eucalipto. Ouviu?
Foi aí que se ouviu um grito do Rabo Verde, em pleno hall do Fórum, repleto de gente, principalmente dos amigos que lá foram cumprimentar o novo promotor:
Calípis. Doutor Casseli. Ta louco! Enfia tudo no cú.!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

TIÃO MARIMBONDO

: TIÃO MARIMBONDO

Paulo Toledo


Militar reformado do Exército, Sebastião Gadelha, seu nome de batismo, chegando de moradia a Santo Antonio do Desemboque, resolve a dar ordem unida na população, envolvendo-se em todas as atividades da comunidade. O milico implicava: com o sermão do padre progressista, com o jeito que o povo falava e até com o comprimento da saia da mulherada, que segundo ele, tinha a ver com aquela pouca vergonha das novelas da televisão. E, pasmem! Dizem os moradores do lugar que ele deu tanto nó, arrotou tanta “brabeza”, tanto se destemperou que acabou sendo mais ou menos acatado.
Ia me esquecendo de um detalhe muito importante. Tenente Sebastião Gadelha era o homem mais sério do planeta, nunca deu uma risada ou um leve sorriso que fosse. Então aquela sisudez e aquele mau humor fenomenal, mereceram o único apelido compatível, que no início, nem de leve desconfiava, mas logo ficou sabendo: Tião Marimbondo.
Anos a fio, Tião Marimbondo, sentado num banco da Praça do Desemboque, continuava ferroando e implicando com tudo e com todos. Mas, apesar de todo mundo saber o seu apelido, como a sua irritabilidade crescia na mesma proporção de sua falta de educação, ninguém ousava menciona-lo. Dizem mesmo que nas suas proximidades não se tocava no nome de qualquer coisa que voasse, pois poderia haver alguma alusão. Por exemplo: avião voa marimbondo voa, quem começa por avião pode chegar naquele inseto que ferroa, até mesmo bule e xícara, que têm asas, não se falava.
Pois bem. De repente, não mais que de repente Tião, lá no banco da praça transformou-se. Aquela aspereza, virulência e rispidez se desmoronaram e o nosso herói abriu-se em amabilidades com todo mundo e estampou um sorriso definitivo na face. Sorria por qualquer motivo ou mesmo sem motivo algum. Isto, mais que a estupidez anterior, alarmou o Desemboque. Todo mundo achava que a doidice finalmente tinha feito morada inapelavelmente no velho Marimbondo.
Foi aí que alguém tomou coragem e perguntou o que teria acontecido, para tão radical mudança?
Tião Marimbondo, então sorrindo e se desmanchando em mansidão, disse:
__Muito simples, meu querido, eu descobri que se eu morrer hoje, depois de amanhã faz três dias. Não é maravilhoso?!!!
Até hoje o povo do Desemboque está dividido, uma parte acha que ele errou na conta, outra pensa que ele chegou à sua grande verdade metafísica

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

LIVRO CARGA GERAL

LIVRO CARGA GERAL

Paulo Toledo


Dilermando era sargento de comunicações, penso que telefonista, aquela pessoa chave nas ligações entre os diversos setores em campanha e vital para o tiro de artilharia.
Dilermando era calmo, metódico, muito eficiente e extremamente dedicado. Esses méritos acabaram por transformá-lo em burocrata e o despejaram na sessão do patrimônio do quartel do Exército de Pouso Alegre. Ficou sendo então o responsável pelo livro “Carga Geral da Unidade”. Esse tal livro acho que não existe mais, mas naquela época era onde era controlado, tim-tim por tim-tim , tudo que existia no quartel, de canhão a prendedor de roupa, ainda com um detalhe importante. Acreditem se quiserem, para sublimar a excelência da burocracia dos milicos, todo ano era feito o seu tombamento, isto significava que em 31 de Dezembro era feito um Termo de Fechamento, que recebia um punhado de assinaturas, e em seguida em primeiro de Janeiro, tudo novamente era escriturado
Então, dia após dia, lá estava o nosso herói, praticamente escondido atrás daquele livrão, escrevendo e fumando sem parar.
Como seu chefe na Fiscalização Administrativa, então um dia, tentando quebrar a monotonia do seu trabalho, perguntei se, por acaso, teria acontecido alguma coisa interessante, naquela sua rotina enfadonha e ele respondeu:
__Meu chefe, este maldito livro tem coisas do arco da velha. Aqui na página 1049, tem pura pornografia. Veja o nome desta ferramenta: “serra de cortar pau de carpinteiro”, coisa muito feia e imoral. Porem, pior ainda é o que tinha na carga do ano passado e foi descarregada e jogada fora, vê se é possível: “mesa de comer, velha de três pernas”
Esse era o meu Exército.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

VISITA PASTORAL

VISITA PASTORAL

Paulo Toledo

A visita pastoral era feita periódica e solenemente pelo Arcebispo de Pouso Alegre a todas as suas paróquias. Essa tal visita era feita com toda pompa e circunstância, incluindo: procições, missas soleníssimas, jejuns e abstinências, confissões com perdão de pecados veniais, mortais e crismas, principalmente.
De certa feita, o tal arcebispo, já estava na cidade de Jacutinga na noite da véspera do evento preparando-se para aquele mundo de solenidades, aguardado há quatro anos pela sua população.
Acontece que, estando hospedado em um hotel da praça principal da cidade, a noite era fria e triste e ele não via, da sacada do hotel, uma viva alma. Então, chamando o cônego que o acompanhava, jogou para escanteio a liturgia do cargo e disparou este primor de quadrinha:

Jacutinga ! Jacutinga !
Me permita um devaneio
Tirando o já e o tinga
O que fica é nome feio

(Contado pelo cônego)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O GANJENTO

O GANJENTO

Paulo Toledo


Seu João Pedro e Seu Divino eram meus vizinhos lá na roça e viviam se estranhando por qualquer motivo ou razão, principalmente por causa das cercas das divisas. Enquanto Seu divino era a timidez personificada, Seu João Pedro era a própria figura do caipira metido a besta, arrogante, cheio de bazófias e valentias. Curto e grosso: ele era um ganjento.
Dado às suas características, o Seu João Pedro era chamado por nós seus vizinhos de Urtigão.
Urtigão, que andava sempre armado com um punhal pendurado no seu barrigão gordo, botava a sua mulher e a filharada pra trabalhar e vivia no “bem-bom”, passeando pelos arredores, montado num cavalo pangaré.
A venda do lugar pertencia a um filho do Urtigão: João Batista – o Tista, que à exemplo do pai, também punha a mulher no serviço atrás do balcão e ficava sentado na porta, enchendo o rabo de cachaça. Era lá que nós da vizinhança, de vez em quando, reuníamos para bater papo e para umas e outras caipirinhas.
Pois foi num desses papos que o Urtigão tomou a palavra para contar como tinha protegido de um gavião os pintinhos que sua mulher, Dona Maria, criava soltos no quintal.
Contava que pra acabar com a raça daquele gavião comedor de pinto, tinha carregado os dois canos de sua espingarda-de-carregar-pela-boca, cada um com tiro de mais de palmo de pólvora. Disse ele que tacou bucha, socou tudo até ficar bem justo e por falta de chumbo grosso, carregou o resto de cada cano com: grampos de cerca, cabeças de prego, vidro moído e um punhado de farpas de arame farpado. Feito isto, atocaiou esperando o pinhé-pinhé.
Segundo ele, os pintinhos da Dona Maria corriam pra lá e pra cá no terreiro e eis que de repente aparece o gavião, despencando das alturas, em cima dos coitadinhos. Ai ele conta:
__Rápido no gatilho e na pontaria, “tava” mirando o “filho-das-unha”, quando a Maria pulou no quintal pra espantar os pintinhos. Nessa hora eu já tinha puxado o gatilho. Que que eu fiz? Que que eu fiz? Rápido também no pensamento, tapei a boca do espingardão e gritei: sai Maria! Sai Maria! A arma ficou corcoveando no meu ombro até que a Maria saiu da direção da mira. Ai eu tirei o dedão e saiu um tiro com tanta fortidão, que derrubou duas bananeiras.
Nós arregalamos os olhos quietos, porém Seu Divino pra provocar perguntou:
__Viche, e o gavião?
__Saiu voando... Pinhé...pinhé...pinhé...
__Carece mostrar á ponta do dedão queimado de “porva” se não é mentira.
__Eu mostro é a ponta da minha faca seu porcaria, excomungado de uma figa. E sabe duma coisa eu vou te arrebentar, com o tiro do outro cano, que está lá dentro guardado e que eu acho que é “procê”
Ainda houve uma grande louvação: filho disto, filho daquilo. Porem estas Seu divino não escutou. Já tinha virado fumaça no alto do pasto.

BENZIMENTO DO RABO VERDE

: BENZIMENTO DO RABO VERDE

Paulo Toledo

Seu Antônio era uma figura folclórica de Pouso Alegre e sua presença, na avenida principal da cidade, fazia parte da paisagem local, onde despontava a sua figura marcante, sempre com um saco cheio de bugigangas às costas e as roupas em frangalhos.
Seu Antônio era então o alvo predileto dos moleques, que se divertiam fustigando-o com o apelido que era detestado por ele e que o levava além da loucura.
Assim, quem o chamava de Rabo Verde, se sujeitava a uma saraivada de impropérios, que iam desde o xingamento mais sutil, ao palavrão mais cabeludo, com “louvações” a respectiva progenitora. Não raro também, quem o molestava podia ser alvo de uma certeira pedrada, ou atingido por outro qualquer objeto que ele encontrasse por perto.
Seu Antônio, vulgo Rabo Verde era então uma fera. Mas, em determinados momentos se transmutava em uma pessoa terna e mansa, para benzer seu semelhante.
Então, quando alguém lhe pedia um benzimento, ele colocava a mão direita na fronte do pedinte, quando muito compenetrado dizia:


“ Caifais, São Tomais,
Ferrabrais, Sassafrais!
Tirai o azar desse irmãozinho,
E, joga lá pra trais,
Pras profundeza das água do mar
Onde o galo num canta
E,a galinha num vem botar
Cuim! Cuim! Coisa ruim!
Luz! Luz! Lucifer!
São! São! Sombração!
Tirai o poder
Dessas treis pessoa
Que não são
Da Santíssima Trindade
Diminué! Diminué! Diminué!
Mizeré! MIzeré! Mizeré!
Chuí, chuí, Chuééé.......... “
Rabo Verde deixou muitas estórias engraçadas e surpreendentes na cidade. Mas é uma pena que ninguém possa saber como foi seu ajuste de contas com a pessoa que lhe colocou o apelido, lá no lugar onde se encontram. Porém, uma coisa é certa, deve ter dado boa briga

A ANDORINHA E O MORCEGO

A ANDORINHA E O MORCEGO

Paulo Toledo


__Eu não gosto de urubu.
__Eu também não gosto.
Este diálogo meio maluco e muito pouco ecológico, inicia esta estória, mas ela terá um final inusitado, “podes crer”.
O cenário é uma pensãozinha, na cidade de Juiz de Fora, às margens daquele riacho fedorento e poluído que corta a cidade.
Os protagonistas do diálogo, verdadeiramente a altura do acontecido: Tião Pindó e Dito Peão, ambos operadores de dinamite, um do Exército, outro empregado de uma pedreira produtora de pedra britada.
Tião Pindó era cabo do Exército e tinha o apelido de cabo doido, portanto dispensa maiores apresentações.
Dito Peão, começou a vida como domador de burro bravo e ferrador, no norte de Minas: Januária e Maria da Cruz, aonde chegou matar uma mula, “redomona”, com um soco na nuca e com um frase que ficou famosa naquelas bandas: “você pode ser mais inteligente do que eu, mas, mais forte você não é”.
Tião e Dito se encontraram pela primeira vês na tal pensãozinha lá de Juiz de Fora, quando o Comando da Região Militar determinou que todo pessoal , civil ou militar, que estivesse lidando com explosivos, estavam obrigados a fazer lá na Região um curso, de como manipular os ditos cujos. Assim, Cabo Doido foi escalado pela sua unidade militar e Dito peão pelo seu patrão da pedreira.
Eu ia me esquecendo de um detalhe muito importante. Ou seja, para economizar dinamite do Exército, cada “aluno” civil tinha que levar para o curso o seu “material didático”. Conseqüentemente, do jeito que o diabo gosta, já na sexta feira anterior ao início do curso, no mesmo quarto de pensão, lá estavam os dois marginais. Um deles com uma caixa de dinamites pavios espoletas etc... Embaixo da cama.
Quando guardava o material explosivo, Dito ainda brincou com o companheiro recém conhecido.
__Será que vai ter dever de casa?
Teve....
O curso só ia começar na segunda feira, então os novos amigos, de sábado para domingo, caíram na maior gandaia. Depois, numa ressaca de matar, sentados placidamente na sacada da pensão olhavam par um bando de urubus pousados enfileirados, no muro da pensão.
__Eu não gosto de urubu. Diz Dito Peão.
__ Eu também não gosto. Faz coro Cabo Doido.
__ se você pegar um eu “explodo” ele.
__ perai!
Cabo Doido sai se esgueirando pelo muro a fora, bem devagarzinho até dar um bote.
__Peguei dois! Grita ele.
Recolheram-se para o quarto, colocaram um dos bichos amarrados de baixo da cama e atocharam uma banana de dinamite no fiofó do outro.
__ põe um pavio grande e vamos soltar ele lá fora pra ver oque que dá.
__Tá legal.
Foi um espanto, a pobre ave saiu voando, meio desengonçada e explodiu no ar, causando a maior confusão nas redondezas.
Que foi, que aconteceu, indaga todo mundo?
__Meu companheiro explode urubu com os “Zóio” diz Cabo Doido. Se alguém duvida vamos casar uma aposta.
Casadas as opostas lá vai o segundo bicho, só que agora com um pavio bem maior, para aumentar o suspense. A ave, com aquele enorme pavio aceso pendurado, dá duas voando no ar e pousa no telhado da pensão.
PUUUUMMMM!!!
Uma baita explosão. m buracão no telhado da pensão. Polícia, cadeia etc....
È por isso que se diz: “ Andorinha que acompanha morcego amanhece de cabeça pra baixo.”

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O CRISTO

O CRISTO

Paulo Toledo


Vocês vão achar que eu endoidei de vez. Mas, como eu não tenho nenhum compromisso com estes garranchos e isso é muito bom, lá vai: Congonhal e o Rio de Janeiro têm duas coisas semelhantes. Guardadas a descomunais proporções. É claro!
A primeira semelhança é que o Rio era uma cidade maravilhosa e pacífica no passado e hoje é uma verdadeira praça de guerra. Já Congonhal que hoje é um lugar calmo e pacífico, na minha infância a coisa era feia. Todo mundo andava armado de faca, punhal, garrucha, revólver, espingarda e de vez em quando usava. Pra encurtar. Teve uma época que a cadeia de Pouso Alegre só tinha matador de Congonhal.
A segunda é o Cristo. O do Rio é uma das maravilhas do mundo e está situado de braços abertos, numa paisagem deslumbrante. Alem disso é cheio de história desde sua inauguração, a ponto de ter proporcionado para Marconi a proeza de ter usado ondas de rádio para ilumina-lo a distancia. Já o Cristinho de Congonhal, coitado, foi colocado crucificado no antigo Largo da Igreja, um lugar esburacado de terra vermelha. Hoje está numa pracinha ajeitada.
O cristo de Congonhal foi comprado em Campinas por uns fazendeiros que se cotizaram liderados pelo meu tio Tuany, farmacêutico do lugar e já político. Eles viajaram para Campinas e quando chegaram na fabrica ficou a dúvida. Tinha Cristo pra todo gosto: Menino Jesus, Cristo das parábolas, Cristo expulsando vendilhões, Cristo da Santa Ceia e o Crucificado. Então, perguntavam: qual o Cristo que vamos levar?
Foi daí que um dos membros da comitiva deu a solução:
__Olha Tuany, vamos levar um Cristo morto, porque se ele lá chegar vivo eles matam.
Esta estória me foi contada pelo Dr. Joaquim Nelson. O Quim da Corina dos meus tempos de menino. Põõõõõe tempo nisso

PONCHE

PONCHE

Paulo Toledo


Para mim que gosto, de vez em quando, de uma caipirinha, sempre de uma cervejinha e todo santo dia de um bom vinho, quando penso no tal ponche, bebida que era servida para a criançada em tudo que era aniversário; me dá um tric-tric e uma “cochada” na boca do estômago.
Voltando ao vinho, também me dá um “ devolteio” no meio da cuca e um complexo danado quando topo um daqueles enólogos que pingam o narigão dentro do copo e destapam a falar do luar no Mediterrâneo do canto das cotovias e cheiro dos rouxinóis. Fico pensando que na pinga eles podem sentir o odor do sobaco de mula .
Retornando ao ponche, com ou sem tric-tric, acho que ele era feito colocando um monte de frutas picadas: mamão, maçã, laranja, uva e o que mais estivesse por perto dentro de uma vasilha grande. Depois, se for um balde por exemplo, “carcar” guaraná e gelo até a boca.
Há uns cinqüenta anos, em um Grupo Escolar aqui de Pouso Alegre, no Dia da Criança, tinha um panelão de ponche, bufando no pátio, esperando a criançada. Mas o Haroldinho que já era terrível, nesse dia estava impossível, insuportável.
Então a professora Tia Geraldina, avisou a meninada:
__Na hora do recreio vai ter festa. Todo mundo vai para o recreio beber ponche, menos o Haroldinho que, alem de não beber, vai sair agora da sala pra vigiar o panelão de ponche.
O recreio começou, as tias distribuíram os copinhos de papel pra as crianças avançarem para o ponche.
Nada, mais nada mesmo aconteceu. A Garotada fugia da vasilha do ponche como o diabo foge da cruz.
Então a Tia Geraldina chamou um dos meninos de melhor comportamento e perguntou:
__Por que vocês não querem o ponche? Está uma delícia, eu mesma já bebi dois copos.
__Tia, disse o menino, O Haroldinho mijou na panela de ponche.
Comentário da Tia:
__ Dona Júlia Kubstcheck teve só um filho e ele é essa maravilha que é o presidente Juscelino.Agora a Dona Maria Charlante pariu essa Charlantada. Por que será que Deus não fez ao contrário?

ESCARRADEIRA

ESCARRADEIRA

Paulo Toledo

Escarrar e cuspir são coisas muito porcas e estão completamente fora de moda. Mas, teve uma época que o povo escarrava muito e pra todo lado.
Até o grande poeta Augusto dos Anjos chegou a versificar, mais ou menos assim:
“Apedreja essa mão vil, que te afaga,
E, escarra nessa boca que te beija”.
Ou então, cuspindo do alto da ponte Buarque de Macedo, lá de Recife:
“Cuspir de um abismo, noutro abismo.
Lançando aos céus o fumo de um cigarro.
Há mais filosofia nesse escarro,
Que em toda moral do Cristianismo”.
No Fórum de Pouso Alegre, tinha uma escarradeira do lado da mesa do Juiz. Contam que um famoso advogado da cidade estava empolgado na sua oratória e soltava um vozeirão que fazia tremer as cortinas. Mas, quando foi citar o nome de um laureado jurista francês, teve um lapso de memória. Deu um branco como se diz hoje. Então, gaguejando bateu os olhos na tal escarradeira e foi salvo: “como doutrinou o grande mestre Escarratieu”. Todo mundo engoliu.
A madrinha Carmelita, que era gente importante na cidade, pois era esposa do Coronel Evaristo e moravam no sobrado mais charmoso da praça principal, tinha os seus penicos e escarradeiras como artigos de primeira necessidade.
Aconteceu que um dia o casal abriu a sala de visitas para receber um querido compadre, fazendeiro lá das bandas do Congonhal. Como o compadre era fumante, Dona Carmelita se apressou em colocar uma escarradeira do lado de sua cadeira. Porem o compadre pá, mandou uma cusparada no chão do lado contrário. Então, Dona Carmelita, muito discretamente, mudou a peça de lado. Mas, conversa vai conversa vem, o compadre não se mancou e pá de novo do lado errado. Ela trocou mais umas duas vezes de lado a posição da escarradeira, até que o compadre falou:
__ Olha comadre, a senhora para de mexer com essa tigelinha, se não eu sou capaz de acertar uma “guspida” nela.

CASA MORATO

CASA MORATO

Paulo Toledo

Hoje em dia quase tudo é descartável. A gente compra um objeto e está jogando no lixo daqui a pouco, por se dar conta de sua inutilidade ou porque está irremediavelmente danificado.
Nos chamados bons tempos, pouca coisa se estragava e nada era descartado. E, aqui em Pouso Alegre, existia e ainda existe uma casa comercial que tinha de tudo para substituir o que estivesse faltando, ou necessitando reparos, fossem objetos, ferramentas ou coisas que tais. Assim, a Casa Morato atendia: casas, oficinas ou outra qualquer dependência.
Volto a dizer, a Casa Morato tinha no seu estoque qualquer acessório, apetrecho, traquitana, penduricalho e etc.... , principalmente o etc. Tudo. Mas tudo mesmo, lá se encontrava.
Conta um amigo meu que lá em Congonhal, minha querida terra, de certa feita o sino da igreja parou de bater por falta de badalo. Na verdade esse meu amigo não sabe o que aconteceu com essa inusitada, porém indispensável peça. Só ficou sabendo ele que o padre da paróquia ficou puto dentro da batina, chamou o sacristão e pediu enérgica providência, pois segundo o padre o sino em um lugar pequeno é importantíssimo para a população, não fosse isso, a razão de ser da torre da igreja é o sino e o sino sem badalo é uma coisa oca, pesada e inútil.
Então o sacristão, Seu Avelino, homem educadíssimo, veio para Pouso Alegre apelar para a Casa Morato, onde travou o seguinte diálogo com o dono da loja:
___Seu Morato, o senhor me desculpe, não vá se ofender se o que eu vou lhe pedir parecer uma gozação, com essa estória que na sua casa tem de tudo. Mas como a titulo de brincadeira, dizem por aí que o senhor vende até máquina de desentortar banana, eu tomei coragem para lhe perguntar: será que, por acaso, o senhor tem jogado em um cantinho do seu estoque, pode estar velho, enferrujado e de segunda-mão, um badalo de sino?
A resposta do seu Morato veio curta e grossa:
___Seu Avelino, temos em nosso estoque badalo pequeno, médio e grande. Qual o senhor quer?

(Pano rápido)

EMOLUMENTOS

EMOLUMENTOS

Paulo Toledo


No dicionário a palavra emolumento quer dizer: aquilo que se ganha, dinheiro dado a quem mereceu prêmio, recompensa, etc...
No cartório do meu pai, lá em Congonhal, quem gostava e necessitava cobrar esses tais emolumentos era a minha mãe, pois era ela que sabia o quanto era difícil criar cinco filhos e o que custava isso. Já o meu pai, aplicava a tabela e em seguida ia dando desconto, antes que o cliente pedisse.
Com a Dona Sílvia não existia a palavra abatimento e não tinha choro e nem vela. Entendo hoje que isto era muito justo, porque era ela que secretariava o cartório, possuía uma caligrafia perfeita, diferente do Seu Jerson que tinha uma letra tão pavorosa que não justificava o nome de sua profissão – ESCRIVÃO.
Congonhal daquele tempo, eu me lembro, tinha apenas umas cinco meninas bonitas. Alias uma delas era lindíssima. Pois foi numa manhã de domingo que adentraram no cartório do meu pai duas garotas bonitas, até então desconhecidas na praça.
Meu pai vendo aquelas donzelas e suas roupas ousadas e extravagantes para Congonhal, se desmanchou em amabilidades e chamou a minha mãe para atender o pedido delas que era uma Certidão de Nascimento.
Dona Sílvia, pensando talvez nos emolumentos, atendeu prontamente o chamado. Porem, vendo o marido cheio de rapapés com as meninas, fechou a cara e secamente foi logo perguntando:
__De onde vocês vieram e o que vocês fazem na vida?
__”nois viemo de São Paulo e nois semo puta”. Responderam em coro as donzelas.
Seu Jerson não gostava desta estória. Mas a minha mãe, Dona Sílvia, a contava na maior alegria

domingo, 1 de novembro de 2009

BALANÇO

BALANÇO Paulo Toledo Congonhal era um lugarejo encravado na Serra do Cervo à beira do rio do mesmo nome, no sul de Minas Gerais. O lugar não tinha a menor importância para Minas, para o País ou para o Mundo. Mas, era ali o lar “carinhoso e amigo” de três meninos e duas meninas. Raiava o ano da graça de 1940 e no dia 12 de Janeiro o pai dos pequenos ia fazer 40 anos. O aniversário paterno, como os demais, naquela casa, era sempre comemorado com muita simplicidade. Mas, um fato muito especial marcou definitivamente aquela data na memória do menino mais novo, que até então não tinha feito seu oitavo aniversário. 40 anos naquela época, para todo mundo era a velhice e senilidade total. Então, o irmão mais velho, chamou os dois outros e comentou mais ou menos assim: “olha aqui seus moleques, o nosso pai vai fazer 40 anos, está velho e não tem mais muito tempo de vida. Então, nós temos que criar vergonha na cara, levar à sério a nossa vida e os nossos estudos, senão o nosso futuro será ficar capinando e plantando arroz aqui na vargem do Rio Cervo, como fazem os marmanjos e os rapazes deste lugar. Como irmão mais novo, tenho certeza que o meu caríssimo irmão mais velho estava muito bem intencionado. Mas, para alegria e sorte de todos, ele errou redondamente na previsão da vida de nosso pai, pois ele teve uma vida simples e tranqüila até chegar aos 90 anos. Quanto ao resto, ninguém pode avaliar o que teria sido melhor para aqueles meninos. Ficar na simplicidade da vida do Congonhal ou partir mundo à fora. Como a escolha que fizemos foi a da segunda hipótese e decorridos mais de 70 anos daquela data, deixo aqui um balanço, curto e grosso, de nossas vidas. Francisco, formou-se em direito e tornou-se um advogado muito conceituado, foi Subprocurador Geral da República e depois Ministro do Tribunal Superior de Justiça, foi autor de diversos livros em sua área. Ferdinando, formou-se em Medicina e com grande prestígio pratica sua profissão em Volta redonda, onde mora até hoje. Paulo, não vai contar vantagem, mas não tem do que reclamar na vida, beirando os 80 anos. Pensa muito em Congonhal e no antigo Rio Cervo, não para capinar arroz na sua vargem, mas para lembrar das pescarias de lambari que fez nele próprio. As meninas Marina e Miriam, são totalmente independentes, o que é muito bom, moram em Belo Horizonte e também no coração, hoje encharcado de remédios, deste pobre contador de “causos”.