domingo, 20 de janeiro de 2013

MARATONA DE POUSO ALEGRE

MARATONA DE POUSO ALEGRE Paulo Toledo Outro dia eu falei do Barbudo, hoje eu vou falar do Mirabeau. Mirabeau Ludovico era o motorista do bispo de Pouso Alegre, zelador e mordomo do palácio episcopal, figura muito popular na cidade. Com ele não tinha brincadeira, pois era uma pessoa que também ficou famosa pela seriedade dos seus atos e a maneira com que cuidava dos jardins do palácio, todo cercado por uma frondosa e bela cerca - viva de fícus benjamin. Pouso Alegre realizava anualmente uma maratona, acho que no aniversário da cidade, que dava a partida do antigo Parque Infantil, passava pela rua do palácio do bispo, descia até a avenida, daí seguia pelo aterrado até o Costinha. Depois, dando a volta pela Fernão Dias, retornava pela outra entrada da cidade, atingia a avenida e pela mesma rua da partida chegava ao parque para o seu final. Como o vencedor recebia um prêmio em dinheiro da prefeitura e várias prendas do comércio local, aquela versão da prova estava muito concorrida, com mais de cem competidores, todos dispostos a enfrentar o duro desafio com muito ânimo e garra. Entre eles e um dos mais dispostos e falantes estava o Alan, um moleque magrelo e alto, que nas corridas anteriores tinha ficado pelo meio do caminho. Dado o tiro da partida o pelotão saiu e sumiu no percurso e só era aguardado de volta depois de algumas horas. E, essa volta, para quem estava no ponto de chegada, trouxe uma grande surpresa, porque quando apareceram os primeiros competidores, despontava na liderança aquele moleque magrelo e alto de quem já falei e que chegou exausto, esbaforido e que caiu desmaiado, após cortar a fita de chegada. Em seguida, foram chegando os outros corredores até que a comissão organizadora se deu conta que poderia iniciar os preparativos da premiação, pois quem não tinha chegado até então tinha ficado pelo caminho do penoso percurso. Nessa altura dos acontecimentos, entre aplausos das autoridades e do público em geral, o primeiro colocado já recuperado do seu esforço hercúleo, se dirigia para o topo do pódio. E, pasmem! Isso teria acontecido não fosse a chegada surpreendente do Mirabeau, que apontando para o suposto vencedor disse: “esse rapaz passou o tempo todo da corrida enfiado dentro da cerca – viva do palácio, eu não falei nada porque pensei que estava fiscalizando a prova

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

PATRIOTISMO

PATRIOTISMO Paulo Toledo “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. Li esta frase de Samuel Johnson há um bom tempo e fiquei revoltado, pois a considerei um xingamento para mim que era um patriota por formação e nos meus muitos defeitos, eu não encontrava a canalhice. Agora, como dizem os budistas que a única coisa permanente é a impermanência das coisas, penso diferente com relação ao patriotismo. E, como estou absolutamente convencido que continuo não sendo um canalha, não preciso me refugiar em nenhum lugar, muito menos no meu quase extinto patriotismo. O patriotismo é um sentimento que pouco a pouco foi se gastando em mim e acho que em boa parte da população, porque vemos as barbaridades, o predomínio da corrupção e a roubalheira que se instalou na cúpula que comanda e domina o poder neste pobre país. Assim, se fosse possível, de bom grado, eu abriria mão da minha nacionalidade, para voltar à minha vibração patriótica em um país imaginário, onde essa gentalha safada e ordinária não fosse aceita e fosse punida exemplarmente. Nova Zelândia, Dinamarca e Finlândia, são considerados os paises mais honestos do mundo. Então, os cidadãos de qualquer desses países devem se sentir orgulhosamente patriotas. Ao contrário do nosso caso no Brasil, onde parece que a frase de Samuel Johnson faz cada vez mais sentido.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

ACONTECEU NA PÇ SENADOR JOSÉ BENTO Paulo Toledo O Barbudo, figura popular da cidade, antigo funcionário da prefeitura cuidava da Praça Senador José Bento, nos mínimos detalhes: desde o funcionamento da fonte luminosa, a conservação da jardinagem até a vigilância. Assim, quem quisesse encontrá-lo era só dar uma chegada à praça e lá podia até fotografar aquele tipo baixinho, “parrudo” e com um chapéu atolado na cabeça. A praça tinha de tudo: footing, roda de papo de aposentados, engraxates, pipoqueiros, fotógrafos lambe-lambe, pregadores evangélicos e santa padroeira. Mas, faltava um mastro bem alto para a bandeira nacional nas datas festivas. Então, como era o período chamado de ditadura militar, logo essa deficiência foi sanada. A primeira data nacional após a colocação do mastro da bandeira da Praça Senador José Bento, foi logo o sete de setembro a mais importante de todas. A cerimônia do dia da independência começava com tropa perfilada junto ao mastro, banda de música e todas autoridades civis, militares e eclesiásticas prontas para cantar o Hino Nacional e hastear a bandeira. Assim que foi dada a partida para o ato, a banda deu os primeiros acordes do Hino Nacional, a tropa apresentou armas e o prefeito se dirigiu ao mastro para executar o hasteamento. Porém, às vezes as coisas não saem como o programado. Então a bandeira foi entregue ao prefeito, mas, estava faltando aquela indispensável cordinha que dá volta a roldana existente no topo do mastro. Como o Hino Nacional não pode ser interrompido, então o Barbudo, ao som do nosso hino, tirou o sapato, colocou na boca uma ponta da cordinha e subiu como um macaco pelo mastro, para colocar a cordinha no devido lugar. Em outras palavras: O barbudo hasteou-se solenemente inaugurando o mastro da praça. (Cena digna de Federico Fellini)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O CRISTO

O CRISTO Paulo Toledo Vocês vão achar que eu endoidei de vez. Mas, como eu não tenho nenhum compromisso com estes garranchos e isso é muito bom, lá vai: Congonhal e o Rio de Janeiro têm duas coisas semelhantes. Guardadas a descomunais proporções. É claro! A primeira semelhança é que o Rio era uma cidade maravilhosa e pacífica no passado e hoje é uma verdadeira praça de guerra. Já Congonhal que hoje é um lugar calmo e pacífico, na minha infância a coisa era feia. Todo mundo andava armado de faca, punhal, garrucha, revólver, espingarda e de vez em quando usava. Pra encurtar. Teve uma época que a cadeia de Pouso Alegre só tinha matador de Congonhal. A segunda é o Cristo. O do Rio é uma das maravilhas do mundo e está situado de braços abertos, numa paisagem deslumbrante. Alem disso é cheio de história desde sua inauguração, a ponto de ter proporcionado para Marconi a proeza de ter usado ondas de rádio para ilumina-lo a distancia. Já o Cristinho de Congonhal, coitado, foi colocado crucificado no antigo Largo da Igreja, um lugar esburacado de terra vermelha. Hoje está numa pracinha ajeitada. O cristo de Congonhal foi comprado em Campinas por uns fazendeiros que se cotizaram liderados pelo meu tio Tuany, farmacêutico do lugar e já político. Eles viajaram para Campinas e quando chegaram na fabrica ficou a dúvida. Tinha Cristo pra todo gosto: Menino Jesus, Cristo das parábolas, Cristo expulsando vendilhões, Cristo da Santa Ceia e o Crucificado. Então, perguntavam: qual o Cristo que vamos levar? Foi daí que um dos membros da comitiva deu a solução: __Olha Tuany, vamos levar um Cristo morto, porque se ele lá chegar vivo eles matam. Esta estória me foi contada pelo Dr. Joaquim Nelson. O Quim da Corina dos meus tempos de menino. Põõõõõe tempo nisso.

TERRA NOSTRA

‘TERRA NOSTRA’ Paulo Toledo Lá também nos tivemos uma espécie de “cosa nostra”. Se não era igual, pelo menos, era parecida. Então, eu vou batizar essa coisa de Terra Nostra. Eu sou de lá, não posso negar a raça. Muito diferente de seu irmão, José era covarde e medroso. Ele era o que se chamava no lugar de um “cagão”. Joaquim nem parecia seu irmão, pois era um ganjento brigão e valentão. Vejam só como são as coisas, foi logo o irmão fraco, lerdo e molengo que foi arrumar uma briga feia. Nessa encrenca, como não poderia ser diferente, o Zé levou uma puta surra, um monte de desaforos e ainda a promessa de que a coisa podia não ficar por aí. Na próxima vez estavam prometidos tapas pela volta da orelha e uns ponta pés na bunda. José Então pediu a ajuda do irmão, dizendo que tinha vontade de matar o seu agressor, mas não tinha coragem, pois achava que podia apanhar de novo. O irmão que adorava um entrevero deu logo a solução: __Eu vou lá e mato aquele filho da puta pra você. Mas como eu não tenho nada com isso, é você quem vai responder o processo e cumprir a pena, se for condenado, basta dizer que foi você que fez o serviço. O “pobrema” é seu. Dito e feito. Joaquim atocaiou e descarregou uma espingarda calibre doze no peito e na cabeça do agressor do irmão. Ele só deu um gemido e partiu pra outra. Então, conforme o combinado, José assumiu a culpa e foi condenado. Isto parece ficção, mas não é. Aconteceu realmente em Congonhal. Pior ainda, todo mundo sabia e calava. Só se comentava ao pé do ouvido, de medo do Joaquim. Era a lei do lugar. Agora, tem uma coisa, às vezes, o mal feito é pago por aqui mesmo. Quando a gente pensa num casal, queremos dizer que normalmente são dois seres que vivem em harmonia, doação mútua, atração e até amor. Porém parece que isto só é verdade no reino animal, nos pássaros, por exemplo. Entre os seres humanos pode acontecer de outro jeito. Um homem e uma mulher podem viver juntos quarenta anos e um odiar o outro, durante todo esse tempo e só revelar isto no último suspiro do companheiro de infortúnio. Pois foi isto que aconteceu com Joaquim. Joaquim era amasiado com Delvina, mulher muito gaiata, extrovertida e extravagante. Ninguém sabia a relação que os dois mantinham entre as quatro paredes e levou o maior susto quando ouviu-a dizer, se despedindo dele moribundo: __Agora que você está indo pro inferno e eu vou ficar livre de você. Vou cobrar pela última vez o mal que você me fez. Vou cobrar muito caro por ter suportado a sua presença a vida inteira.. Então, eu quero que o capeta mais fedorento lá do inferno enfie você no lugar mais quente que tenha por lá. Quando você me pegou, eu era uma menina e sei que pra você foi muito bom. Você gozou. Mais fica agora sabendo agora, que isto eu consegui com um mundo de gente e nunca com você. Quem estava presente depois comentou que o valentão morreu chorando. Se o Joaquim foi pro lugar que a Delvina o despachou ninguém tem condições de dizer com segurança. Mas acho que quando eles se encontrarem no dia do Juízo Final o pau vai comer.

MON ONCLE

MON ONCLE’ Paulo Toledo Jaques Tati, o grande cineasta francês, fez um filme maravilhoso que se tornou um clássico do cinema. Nesse filme ele mostra um tio com todas as suas peripécias e sua graça em um mundo lúdico, onde a perfeição não evita o inusitado, na relação de um tio, meio desastrado, com um querido sobrinho. Para mim, esse “mon oncle” é o meu tio Custodinho, irmão mais novo do meu pai. Sua figura está guardada, com muito carinho, no fundão da minha memória. Agora, fazendo algum esforço, de lá saem algumas cenas de sua vida como se fossem no cinema. É claro que todas não cabem num “causo”. Com certeza existirão outros. Com o tio Custodinho não havia meio termo, ou ele era dono da linha de jardineira, o ônibus daquela época, que ligava Congonhal a Pouso Alegre, ou era o banqueiro do jogo do bicho, com o nome do bicho escrito dentro de um envelope pendurado no poste, para ser aberto, na hora marcada, depois de recolhidas as apostas. Dizem que às vezes, de madrugada, ele trocava o bicho que estava carregado de apostas. Assim, ou estava bem de vida, gastando à vontade com os apetrechos de caça e pesca, suas diversões preferidas, ou estava quebrado vendendo esses apetrechos. Uma das cenas que vem a mente. Eu o vejo desfilando pela rua de Congonhal vendendo sua espingarda de caça e então lembro-me do diálogo de meu pai com a minha mãe: __Olha Sílvia, o Custodinho precisa de ajuda, pois está vendendo o objeto que ele mais gosta. Antes de ser o tabelião de Congonhal meu pai lá exerceu a profissão de farmacêutico, alias com muita competência, menos na hora de cobrar pelos remédios, isso ele não sabia. Então, existia na farmácia uma gaveta cheia de receitas que foram aviadas e que não foram pagas. Coisa antiga. Numa das quebradeiras do tio Custodinho, meu pai penalizado, mostrou-lhe a gaveta e disse: __ Custodinho, pega essa papelada e vê se consegue alguma coisa. Você tenta. Meu tio topou. Pegou a papelada e sumiu por um bom tempo. Quando voltou estava guiando um carro Ford 29, exibindo uma espingarda de caça novinha e ainda comprou a padaria do lugar. De Congonhal , meu tio mudou-se para Brazópolis, onde de padeiro ele se transformou em farmacêutico. Nesse meio tempo ainda teve uma passagem por São Lourenço, onde foi banqueiro do jogo do bicho, Mas eu vou pular esse pedaço. Para terminar este causo, só vou contar a sua participação no romance do Amadeu com a Lola. Como dono de padaria, meu tio não tinha a menor idéia de como aquilo funcionava. Quem tocava a coisa era seu empregado Amadeu, verdadeiro pé de boi no serviço. Então quando se mudou para Brazópolis, só conseguiu levar o Amadeu com a promessa de que ele seria liberado tão logo a situação se estabilizasse. Porem Amadeu era apaixonado pela Lola uma loirinha de Congonhal bem bonitinha. Acontece que chegando em Brazópolis a paixão bateu pesada e o Amadeu queria voltar no dia seguinte.Tio Custodinho pediu-lhe calma e convidou o meu irmão mais velho Francisco, que ainda era menino, para passar uma temporada em Brazópolis. Quando Francisco chegou de jardineira o tio o estava esperando no ponto, abraçou-o deu as boas vindas e disse: Olha Chico, você é o meu sobrinho predileto, veio aqui para pescar e caçar comigo, nós vamos divertir à beça. Mas se o Amadeu perguntar pela Lola, você diz que ela arranjou outro namorado. Esta estória me foi contada cinqüenta anos depois pelo meu irmão. Ele ainda concluiu: Até hoje eu morro de remorço.

APELIDOS

APELIDOS Paulo Toledo Zé Fogueteiro, Zé Xarope, Carica, Geraldo Pipote, Tião Tungue, Dito Fraqueza, Naco, Joaquim Martelo, Chico Cartucho, Bandola, Neném Bolacha, Tião Bolinho, Tião da Nica, Tatuzinho e os Pulentas... Em Congonhal todo mundo tinha apelido e quanto mais a gente se incomodasse com o tal, era suficiente para que ele grudasse e permanecesse como um rótulo pregado na testa. Agora, colocando no alto desta página alguns apelidos dos quais eu me lembrei, vejo que cada um deles dá um “causo”, uma estória, algumas delas verídicas, outras nem tanto. Assim, o Zé Xarope não era um xarope no sentido que a palavra hoje é aplicada – um chato. O Zé virou Zé Xarope porque, quando menino, trabalhando na farmácia do meu tio Tuany bebia todos os xaropes que encontrava na prateleira, então foi dispensado. Alguns desses “causos, como por exemplo o do Naco, são feios e impublicáveis, outros nem tanto Zé Carica eu não sei a razão do seu apelido. Mas para mim ele ficou como exemplo de como se resolver um problema muito difícil, vejam só: Tinha aparecido uma onça pintada nas cercanias de Congonhal. Toda semana aparecia bicho morto e dilacerado: bezerro, vaca, cabra etc ...Alguns achavam que era onça de duas pernas, mas o veredicto final foi : é onça e vamos acabar com ela. Então reuniram-se os valentões do lugar, armados até aos dentes, Zé Carica presente então asseverou: __Deixa essa bendita onça comigo. EU SÓZINHO COM MAIS DEZ COMPANHEIROS, vou lá e trago o couro dela. “Nesta longa estrada da vida” sempre que me aparece alguma coisa complicada a solução do Carica me vem à mente. E os pulentas ou polentas ou ainda polentinhas? Donos daqueles apelidos do final da lista? Esses não cabem num “causo”.Cada um deles dá um livro bem grosso e de capa dura..