quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A CABRITA

A CABRITA Paulo Toledo No velho a memória recua no tempo. Então, “como a ave que volta ao ninho antigo”, eu vou lá pro Congonhal da minha infância. Lá em vez do “gênio carinhoso e amigo” do poeta, eu vejo entrando pela porta do lar paterno, soldados da polícia, armados, escoltando assassinos. Pois lá também funcionava o cartório do meu pai. Em Congonhal, nem delegado de polícia havia. Quem policiava o distrito era um destacamento da polícia de Pouso Alegre, composto por um cabo e um soldado, recrutados pelos critérios da valentia e da “brabeza”. O representante do delegado era um, subdelegado escolhido entre os moradores voluntários. O cartório da vila era único. Meu pai era então: tabelião, oficial do registro civil e o escrivão daquelas bandas de Congonhal e adjacências. Essa condição também o obrigava ser o escrivão do crime e, por falta de gente especializada, conduzir os inquéritos policiais, argüindo as testemunhas e os criminosos. Para isso só contava com a sua boa cultura e a leitura dos livros do Conan Doyle. Ele era o Sherlock Holmes do Congonhal. Era claro, lógico e inevitável que houvesse os comentários do Seu Jerson com a minha mãe, sobre os detalhes dos crimes. Quanto a nós os filhos, lógico que a curiosidade nos levava a ficar xeretando. Tenho na memória alguns desses crimes. Em um deles a vítima foi o pai do Renato, meu colega de escola. Da nossa casa nos ouvimos os sete tiros, à queima roupa, que matou o Seu Rafael pelo próprio soldado do destacamento. O crime foi brutal e o assassino ,segundo meu pai, ainda disse: __Olha aqui o presente que eu trouxe “procê” pra aprender respeitar a mulher dos outros. Em outro crime quem morreu baleado, em frente a minha casa, foi o Mendonça dentista. Ele era um conquistador barato das caboclinhas do lugar. Foi morto por um tal Tião Caluta que, merecendo o nome, vingou a virgindade da filha que foi abusada na própria cadeira do dentista. Finalmente, o outro foi o de um marido que matou a mulher e a jogou pela porta a fora da casa. O meu pai contava que o matador no depoimento negava e jurava que não era a sua mulher que tinha matado. Dizia ele que o que ele tinha matado uma cabrita. E que tinha matado o bicho pra proteger as crianças, pois elas estavam sujas, doentes e famintas e a “desgranhenta” da cabrita berrava e lambia as coitadinhas. Nesse o meu pai deu uma de Sherlock. Foi mais fundo. Na investigação Seu Jerson ficou sabendo que a mulher do assassino era meio louca e que alem de não cuidar da casa e das crianças ainda fazia as coisas mais extravagantes. Daí concluiu que na hora, desesperado com alguma barbaridade que viu, em vez da mulher, o que viu de fato foi uma cabrita. Não sei qual foi a sentença do Juiz após o júri. .Mas do trabalho de Sherlock meu pai muito se orgulhava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário